Capítulo X

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Apeou Mariana defronte do mosteiro, e foi à portaria chamar a sua amiga Brito.

— Que boa moça! — disse o padre capelão, que estava no raro lateral da porta, praticando com a prioresa, acerca da salvação das almas, e de umas ancoretas de vinho do Pinhão que ele recebera naquele dia, e do qual já tinha engarrafado um almude para tonizar o estômago da prelada.

— Que boa moça! — tornou ele, com um olho nela e outro no raro, onde a ciumosa prioresa se estava remordendo.

— Deixe lá a moça, e diga quando há de ir a servente buscar o vinho.

— Quando quiser, senhora prioresa. Mas repare bem nos olhos, no feitio, naquele todo da rapariga!...

— Pois repare o senhor padre João — replicou a freira — que eu tenho mais que fazer.

E retirou-se com o coração malferido, e o queixo superior escorrendo lágrimas... de simonte.

— Donde é vossemecê? — disse brandamente o padre capelão.

— Sou da aldeia — respondeu Mariana.

— Isso vejo eu... Mas de que aldeia é?

— Não me confesso agora.

— Mas não faria mal se se confessasse a mim, menina, que sou padre...

— Bem vejo.

— Que mal gênio tem!...

— É isto que vê.

— Quem procura cá no convento?

— Já disse lá para dentro quem procuro.

— Mariana, és tu?! Anda cá!

A moça fez uma cortesia de cabeça ao padre capelão, e foi ao locutório donde vinha aquela voz.

— Eu queria falar contigo em particular, Joaquina — disse Mariana.

— Eu vou ver se arranjo uma grade: espera aí.

O padre tinha saído do pátio, e Mariana, enquanto esperava, examinou, uma a uma, as janelas do mosteiro. Numa das janelas, através das reixas de ferro, viu ela uma senhora sem hábito.

— Será aquela? — perguntou Mariana ao seu coração, que palpitava. — Se eu fosse amada como ela!...

— Sobe aquelas escadinhas, Mariana, e entra na primeira porta do corredor, que eu lá vou — disse Joaquina.

Mariana deu alguns passos, olhou novamente para a janela onde vira a senhora sem hábito, e repetiu ainda:

— Se eu fosse amada como ela!...

Mal entrou na grade, disse à sua amiga:

— Olha lá, Joaquina, quem é uma menina muito branca, alva como leite, que estava ali agora numa janela?

— Seria alguma noviça, que há duas cá muito lindas.

— Mas ela não tinha vestimenta nenhuma de freira.

— Ah! já sei; é a D. Teresinha de Albuquerque.

— Então não me enganei — disse Mariana, pensativa.

— Pois tu conhece-la?

— Não; mas por amor dela é que eu cá vim falar contigo.

— Então que é?! Que tens tu com a fidalga?

— Eu cá, por mim nada; mas com uma pessoa que lhe quer muito.

— O filho do corregedor?

— Esse mesmo.

Amor de Perdição (1862)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora