cinco

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Mesmo achando sem sentido minha mãe querer que eu vá a escola, sabendo que meu pai estava nas mãos de traficantes, acatei sua ordem. Raquel me explicou tudo o que eu precisava saber sobre o celular e instalou o tal whatsapp que todos usam, pude até ver a foto de Renan em seu perfil. No intervalo passo na biblioteca, não encontro nenhum livro novo. O governo ainda não mandou a remessa deste mês.

— Acho que você deveria ficar com o celular — Raquel diz enquanto pegavámos as bandejas de comida.

— Você me ouviu dizer que isso é roubado?

— Ah, vai se foder, Alícia. Deixa de ser boba. — ela suspira — ele não é nenhum rei. Faz os corres dele, normal.

Eu sei, ela tem razão mas o que me impede não é o celular ser furado, mas o fato de Renan estar fazendo esse tipo de coisa.

Antes que eu pudesse a responder, o celular começa a tocar. Na tela estava escrito "trem bala", atendo rapidamente com a ajuda de minha amiga.

— Alô? — digo animada. Minha primeira ligação.

— Princesa, presta atenção na visão. — era Renan — o Alê passou teu coroa. Tudo o que pude fazer foi pedir para liberar o corpo.

Meu sorriso some, meu coração pesa uma tonelada. Meu peito sobe e desce rapidinho. Meu olhos estavam cheio de água.

— Alícia? — Renan chama.

— Ei, o que foi? — Raquel segura em meu braço.

— Renan, e-eu não sei c-como vou falar com a minha mãe.

Digo desesperada. Minha voz soa alta e chamo atenção desnecessária.

— Porra... — ele bufa — tem mais. Ele quer que você ou sua mãe vá buscar o corpo. Está lá atrás no morrinho.

Não me contenho e tenho uma crise de choro em meio ao refeitório. Raquel apanha o celular de minha mão.

— Quem é? — Ela pergunta ignorante — ela está chorando aqui, garoto. Caralho, como assim? Porra...tá bom.

Encaro minha amiga que está com a mão na boca. Perplexa com o que acabará de ouvir.

— Está tudo bem? — Pergunta uma das merendeiras.

— Tá sim. Vem Alícia.
Raquel segura em meu braço e me leva para fora do refeitório, ela limpa meu rosto com seu uniforme escolar e pede para que eu respire algumas vezes.

— Esse monstro quer que eu vá buscar o corpo dele, Raquel...Como eu vou fazer isso? — Indago segurando o choro.

— Renan está vindo te buscar. Eu vou junto, vou te ajudar a pegar. Ligo para meu pai, ele vai nos ajudar com o carro.

— Eu não sei se consigo.

— Agora não é hora de duvidar da sua capacidade. — dispara — vamos lá para o portão.

Fomos até o enorme portão de grades. Me sento ao chão e escondo o rosto entra minhas pernas. Raquel permanece de pé, observando a rua afim de ver Renan.

O que da na cabeça do ser humano para matar outro e ordenar que a família retire o corpo do local? No mínimo isto é desumano. Nunca fiz nada a ninguém, mamãe muito menos — que eu saiba — prova disto é as pessoas desse lugar gostem de nós. Nasci aqui e nunca passei por um momento tão ruim quanto. O máximo que me acontece é algumas meninas da escola não gostem de mim, o motivo? Eu não sei. Simplesmente não gostam. Chamam-me de "leite azedo", "branquela", "santinha do pau oco", além de outros, consegui livrar-me do "quatro olhos" mas isso me custa caro.  Não dá para negar que realmente sou bastante diferente dessas pessoas que aqui habitam, eu não posso se quer ficar muito tempo ao sol que minha pele queima. Minha mãe é parda, meu pai branco mas não tanto quanto eu. De qualquer forma, isso é motivo para Alê odiar-me a tal ponto?

— Ela precisa ir embora, o pai dela faleceu. — Raquel alerta ao porteiro.

Olho para o lado e vejo Renan, ele me fita intensamente, muito antes de eu olha-lo. Quando foi que ele chegou?

— Precisa de autorização. — Diz o porteiro.

— Ah porra! Todo mundo foge aqui e você não fala nada, agora que é caso de urgência quer pagar de bom samaritano, meu filho? — Raquel se exalta.

— Qual foi, Jorge. Libera ela aí. Ordem de cima — Renan se pronuncia.

Entendendo o recado o senhor caminha até o portão e abre o mesmo. Me levanto e corro até Renan, dando-lhe um abraço.

— Eu vou também. — Dispara minha amiga.

— Aí não dá. É só uma. — O porteiro alega.

— Fica aí, cara. — Renan pede. Ela bufa — sobe, princesa.

Ajeito a mochila em minhas costas e subo. Abraço suas costas sentindo o calor de seu corpo. Ele arranca e assim deixo Raquel lata trás, me dando um breve tchau.

— Onde vamos? — Indago chorosa.

— Vai querer passar em casa para avisar tua coroa?

— Não. Ela iria entrar em pânico e querer vir junto. Como vou retirar o corpo? — Questiono aflita.

— Tem um amigo meu na espreita com o carro, ele vai levar direto pro IML. Tem conhecimentos lá — explica olhando para a rua — depois é só retirar pro enterro.

Mordo o lábio inferior, sabendo que seria mais uma dor de cabeça. Não há dinheiro.

— Nós não temos dinheiro, Renan. — Confesso constrangida.

— Vou falar com os amigos da boca pra fazer uma inteira. Resolvo isso. — ele acelera mais.

— Eles vão aceitar?

— Tá geral injuriado com o que ele tá fazendo. Não por passar o coroa, mas por fazer isso contigo. — ele ri — os mano são tudo doido por você.

Arregalo os olhos surpresa.

— Dessa eu não sabia.

— Porra...se soubesse o que eles falam quando tu passa. Ia ficar mais vermelha que o normal — Brinca.

Logo paramos. No local havia alguns homens sentados em volta de uma mesa, em cima da mesma havia produtos ilícitos — drogas — outros estavam de pé, todos armados.

Ao descer da moto sinto-me um pedaço de carne em meio aos leões. Uma sensação ruim invade meu corpo. Quando Renan está ao meu lado, seguro fortemente em seu braço.

— Qual foi — ele cumprimenta os demais — tô colocando lá. Ele aí?

— Ta. Não vai embora nem por um caralho, irmão — Diz um deles. Esse chefe realmente deve ser péssimo.

Eu apenas observo.

— Foda — Renan coça a cabeça. — Alícia — ele me coloca de frente a seus olhos. Se inclina um pouco ficando em minha altura — o Alê tá lá dentro, ele vai querer falar merda finge que não escuta. Não responde nada.

— Eu estou com medo.

— Pô, Trem libera a mina e fala que não encontrou. — Um dos caras diz. — ele tá cheio de ideia torta.

— Se eu fizer isso, ele vai atrás dela e da coroa.

Seu amigo coça a nuca. Renan estava certo.

— E se ele me matar? — Pergunto.

— Ele não vai. Você não fez nada. Eu vou estar lá com você. Bora.

Aperto a alça de minha mochila e caminho juntamente a Renan, em direção a uma espécie de barraco velho.

Entre Rosas -(DEGUSTAÇÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora