Chamas indecifráveis

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Doze anos atrás...

– Sobre o que é esse, mamãe? – Ronronou a pequena Lydia, erguendo os dedos gordinhos para o livro que a mãe segurava.

Natalie a deu um caloroso sorriso, tocando a garota nos cabelos vermelhos que a recordavam chamas em meio ao inverno. Lydia rolou a cabeça para o lado, encostando a bochecha no travesseiro macio, as mãozinhas pequenas brincando com a coberta em cima dela.

– Escrevi esse quando estava grávida de você. – Disse Natalie, acariciando os cabelos da menina que, com piscadas preguiçosas em meio ao quarto iluminado apenas por um abajur, ouvia-a em silêncio. – Se lembra quando você me disse uma vez que o livro da Cinderela era seu maior refúgio? – A pequena acenou em resposta, um sorriso entusiasmado a tomando. – Eu escrevi esse pensando que talvez, um dia, esse possa ser o seu se você quiser.

Os olhos meigos da garota viajaram para o teto. Seus lábios formaram um pequeno beicinho sob observação da mãe.

– Mas e se a história da Cinderela for sempre meu refúgio? – Perguntou ela, baixinho, receosa.

Natalie riu, tocando a filha na bochecha em uma carícia silenciosa.

– Não existirá o menor problema nisso. – Confortou a mãe, com um pequeno sorriso. – Eu apenas quero que você saiba que isto sempre estará aqui para você.

– Sempre?

– Sim, sempre, minha pequena. – Ela assentiu, mesmo quando algo puxou seu coração.

Natalie piscou com lágrimas nos olhos, sua fragilidade passando ilesa pela despreocupação natural no rosto da filha. A mulher fungou e abriu o livro, tentando soprar para fora da cabeça os meros delírios que a atormentavam.

– Se eu dormir, continuamos amanhã? – Perguntou a pequena Lydia, a esperança ingênua escorrendo dos olhos.

Natalie assentiu, abrindo o livro.

– Se você gostar, sim. – Piscou para ela, pousando o livro no colo por um momento. Tocou uma das mãos da pequena e, com um nó indesejado na garganta, fruto de nada além de instinto, sussurrou: – Amo você, Lydia.

– Amo você, mamãe.

**

– Por que você não está me ajudando? – Perguntou Lydia, pousando as mãos na cintura com vincos de estresse na testa.

Allison ergueu os olhos assustados das folhas. Os pés erguidos para cima, que antes agitavam-se para a frente e para trás com euforia, travaram com a cobrança na voz da amiga a alcançando. A Argent findou os lábios em uma linha, de bruços no sofá da sala dos Martin, dando-se um segundo de silêncio.

– Por que sua mãe é genial? – Testou ela, as sobrancelhas rígidas de alguma tensão.

Lydia bufou e caminhou até a ponta do sofá, espiando as folhas presas na mão da amiga. Ela se inclinou, os olhos ansiosos correndo nas informações, até soltar um bufar e cruzar os braços.

– Página 15? Você está me deixando procurar sozinha todo esse tempo?

– Todo esse tempo, não! – Defendeu-se ela, levantando. Suas mãos ainda seguravam as folhas e apesar de chateada pelo estresse da amiga, o semblante da Argent relaxou. – Eu encontrei esse em uma caixa há uns dez minutos, li duas linhas e não consegui mais parar, me desculpe.

A ansiedade fez os dedos de Lydia desejarem dedilhar alguma coisa. Por fim, um fio de consciência ardeu na boca do estômago, fazendo-a respirar fundo e, corando, puxar a raiz do cabelo solto por um momento. Sem jeito, ela balançou a cabeça.

A Little TasteWhere stories live. Discover now