Capítulo 4

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HARRY D'EVILL

-Sério? – O pequeno barão me olha desconfiado e eu confirmo mais uma vez.

-Sua tia autorizou nossa saída. Não somente autorizou como disse-me que também nos acompanhará.

-Então titia deveria estar aqui.

-Concordo.

-Acabo de chegar do quarto da senhorita Thoperton, senhor. Ela está dormindo profundamente e preferi deixá-la descansar.

Por um momento eu não respondi. De fato, a senhorita parecia fadigada ontem, creio que o chá a tenha ajudado a descansar. Sabe-se lá a última vez que a mulher teve uma noite descente de sono.

-Edmund, qual foi a última vez em que sua tia dormiu?

-Não tenho ideia, senhor. – Responde após um momento de reflexão – Todas as vezes que dormi na carruagem ela estava acordada, me abraçando, e quando eu acordava ela na maioria das vezes estava olhando pela janela.

-Te importarias de contar-me como começaram essa aventura? – Dou uma mordida em minha fatia de presunto e continuo a olhar o garoto, esperando pacientemente que ele me dê as informações que quero.

-Tia Luíse me acordou, estava tudo escuro e chovendo muito. Ela disse que eu precisava levantar e vestir uma roupa que iríamos começar uma aventura. Minha tia saiu de casa comigo sem fazer barulho nenhum, porque era parte do nosso jogo.

-Jogo?

-Sim, nós jogamos o Jogo do Silêncio.

-E você ganhou? – O menino estufa o peito e sorri triunfante, muito orgulhoso de si.

-Claro que sim. Corri com tia Luíse pela floresta sem fazer barulho nenhum. Nós apenas corremos.

-Na chuva?

-Sim, tia Luíse disse que a aventura seria igual nos livros dela e os heróis não fogem da chuva em carruagens.

Certamente tentou fugir da maneira mais discreta possível. Mulher inteligente, um pouco louca por correr com uma criança na chuva, onde ambos poderiam adoecer, mas muito inteligente.

-E depois que vocês enfrentaram a floresta? O que fizeram?

-Titia disse que iríamos começar outra parte da aventura. Fomos a uma casa bem grandona, maior que a nossa e titia conversou com um casal e a mulher parecia muito com o senhor.

-Ela é minha irmã. – Sorrio – É mais velha e chata, mas me conte o que fizeram depois?

-Titia conversou com eles e fui com o mordomo para a cozinha comer.

-Sua tia comeu? – Ele nega – Certo, e depois?

-Dormimos um pouco na casa grandona e acordei na carruagem.

-Quais aventuras vocês tiveram na carruagem?

-Na verdade nenhuma. Passamos um dia inteiro lá dentro, onde titia lia algumas histórias para mim ou preparava comida.

-Para os dois?

-Titia disse que estou crescendo e precisava comer, mas ela não tinha fome. Então não comeu.

Levando em conta toda a fofoca que a senhora Watson me passou, certamente a senhorita Thoperton queria garantir comida para o garoto, sem saber ao certo quanto tempo levaria a viagem.

-Bom, melhor deixarmos sua tia descansar. Hoje nós, os homens sairemos para ver cavalos, o que acha?

-Eu posso? – Seus olhos negros como a noite brilham de animação.

-Claro que pode. – Levanto-me e estendo a mão para ele – Venha, vamos conhecer os potros selvagens.

-Vou montar em um cavalo?! – Pega a minha mão e saímos da sala de jantar, na direção da entrada da casa.

-Vai montar no meu, mas acho que ainda é cedo para você ter aulas.

-Eu já sou um homem.

-Um homem jovem, para ter aulas precisa ser um homem mais velho.

-Mais velho quanto?

-Talvez quando você tiver 10 anos.

-Minha tia disse que não vamos ficar muito tempo.

-Você quer ficar mais?

-Quero.

-Então não se preocupe, vamos nos divertir hoje. Voltaremos bem sujos e a senhora Watson brigará conosco.

-Por que a senhora Watson brigará?

-Ela não gosta de sujeira, mas não se preocupe, é muito divertido ver ela irritada.

Edmund sorri e entramos nos estábulos. Cumprimento os funcionários e seguimos para a última baia, onde um belíssimo alazão branco coloca a cabeça para fora e sem demora, acaricio sua cabeça.

-Edmund, este é Tormento, o meu cavalo.

-Ele é muito grande.

-Também é bravo, então sugiro que tenha cuidado.

-O cavalo já está pronto, senhor. – Um dos cavalariços comunica e o agradeço.

Abro a baia e deixo Tormento sair, primeiro coloco Edmund montado na cela e depois monto. O garoto parece incerto sobre o cavalo, tento acalmá-lo e mostrá-lo que Tormento é seguro antes de nos movermos para fora. Começamos com pequenos galopes para Edmund ganhar confiança, assim partimos para a corrida de fato.

Um dia átipico, fazermos todo o serviço acompanhado por um garoto é um tanto estranho, mas não inédito. Por muitos anos nosso vizinho, Aidan, acompanhou a Anthony e eu em nossos serviços pela propriedade. Agora Aidan é um jovem feito e pelo que soube planeja uma longa viagem pelo continente. Sempre suspeitei que minha irmã mais diabinha, Charlotte, tinha certo encanto por ele, mas Aidan a trata como um garoto e ela parece contente com isso. O resultado é que ambos foram inseparáveis, ainda são quando Aidan retorna para casa em seus períodos de férias.

Parte de mim sente-se mal por invejar tudo o que meus irmãos conquistaram. O mais velho dos filhos é Anthony, casado com uma bela mulher, tem uma filha de quatro anos muito esperta e sua esposa está grávida novamente; Victoria está casada com um duque, feliz e sorridente como nunca a vi antes e tem dois gêmeos de três anos - ela diz que não terá mais filhos, porém Isaac me confessou que estão estudando as possibilidades; até mesmo Elizabeth está casada e feliz, por Deus, Elizabeth! Aquela que estava sempre escondida em bibliotecas e não era encontrada se não quisesse. Essa Elizabeth tem um garotinho lindo chamado Cameron.

Charlie está no auge de seus dezesseis anos e não poderia estar mais declinada a ideia de casamento, ela também está empolgada para sua estreia e os bailes que poderá ir e fico imagino o tamanho de seu desapontamento ao decobrir que os salões não são ambientes adequados para seu espírito livre e indomável.

Bem, enquanto meus irmãos seguem com suas vidas perfeitas, felizes, casados e com seus lindos filhos, continuarei aqui em minhas terras trabalhando. É isso que sei fazer, cuidar de tudo por aqui. Certamente sujarei Edmund também. Ora, seria uma ofensa enviar o garoto para sair comigo e esperar que ele volte limpinho. Margot me cozinhará para o jantar, mas duvido que brigue com Edmund, ela ama crianças.

Conde Tentador - Os D'Evill 04Where stories live. Discover now