10 - [pequenas coisas]

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O som distante de carros passando na rua

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O som distante de carros passando na rua. As patas de Dalia também fazem som quando passa corredor. O baixo assobio do vento entrando pela fresta da janela. O tilintar das panelas na cozinha. O baque de portas abrindo e fechando. Acho que eu nunca teria aprendido a apreciar esses pequenos detalhes do dia a dia se não fosse por você e pelos filmes do estúdio Ghibli. Nunca te agradeci por esse presente. Obrigada (ainda que seja tarde demais para isso). Devo dizer, mesmo depois de um ano, ainda não me acostumei com a ideia de escrever essas cartas. É tão estranho. A caneta é desajeitada entre meus dedos, habituados ao teclado velho de computador. Marly, a psicóloga, disse que eu poderia usá-lo, caso me sentisse mais confortável. Preferi continuar com o papel. Há algo de diferente, especial, em deixar fluir esses pensamentos manualmente.

Às vezes, me faltam palavras para expressar tudo o que quero te contar. Me sinto do Anne nesses momentos, procurando palavras grandiosas para sentimentos grandiosos. Mas acho que ainda não inventaram um termo adequado para o vazio que a sua presença traz todos os dias. É arrebatadoramente sufocante e dolorosa. É como perder um rim, porra. É certamente possível viver sem você, mas nada nunca será como antes. Nada nunca será tão extasiante do que dois rins funcionando. Do que ter você ao meu lado.

Ah, Matt. Ainda dói muito pensar em você. Mas está ficando mais fácil, aos poucos. Parece que a Regressão à Média não se limita à Matemática. Às vezes, passo horas sem pensar na ligação que você me fez na noite em que morreu ou em ser acordada com a notícia que você não estava mais aqui. Em outros dias, tudo o que faço é pensar que eu sinto tanto a sua falta. Nesses dias, é como se eu tivesse um buraco negro no lugar do coração. Um dos grandes, como aquele no centro da nossa galáxia. Os toremi estão inclusos no pacote, é claro. Eles e seus malditos pequenos planetas hostis. Paradoxalmente, sempre em guerra, na busca por harmonia.

Porra. Se fecho os olhos por um instante, ainda consigo ouvir a sua risada nos meus ouvidos. Posso imaginar seus olhos quase sumindo atrás dos óculos. As discretas covinhas que se formavam nas suas bochechas. Sempre tinha uma vontade absurda de tocá-las sempre que você sorria. Sinto falta das noites em claro conversando sobre tudo e sobre nada. Dos silêncios confortáveis que se instalavam até que um de nós dissesse alguma idiotice. Pelos céus, o que eu não faria para ter um desses momentos novamente com você. 

Na última carta, eu disse que sentia como te perdia de novo e de novo nos mínimos detalhes. Pois eu te acho nas pequenas coisas. Eu encontro pequenos pedacinhos seus nas minhas manias, nas músicas que eu ouço na rádio e nos pequenos momentos que vivi com você. Ah, Matt. É nesses momentos que respirar se torna mais fácil, que as palavras de Sirius Black se tornam real. Aqueles que amamos nunca se vão. Não totalmente. E você está aqui, meu caro amigo, em cada batida do meu coração.

Obrigada por me lembrar de olhar para o céu e a apreciar os sons do mundo ao redor. Obrigada por ter me introduzido a maravilha pecaminosa que é pipoca com chocolate. Obrigada por ter feito meus dias mais coloridos. Obrigada por ter sido minha pessoa quando eu precisava. Espero ter sido o mesmo para você em algum momento. Obrigada por ter dividido mais de dez longos anos da sua vida comigo. Obrigada por todas as coisas que me deu nesses anos. Todos os momentos e todas as memórias. Bons e ruins. Obrigada por ter sido meu amigo, Matt.

A cabeça felpuda de Dalia acabou de aparecer na porta do meu quarto. Pelo cheiro da cozinha, parece que teremos comida chinesa para o jantar. Acho que vou assistir à Viagem de Chihiro pela centésima vez e chorar pela milésima vez depois disso. Tenho que ir, antes que todos os rolinhos fritos sejam devorados. Xx sa

[ROMANCE] Achados & PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora