➵ AMARELO 🏳️‍🌈 MONTANHA-RUSSA DE EMOÇÕES

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[1.002 palavras]

     Era véspera de natal quando fomos ao Parque de Diversões

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     Era véspera de natal quando fomos ao Parque de Diversões.

Estava frio naquele dia, mas não era nenhuma novidade para nós já que estávamos no período invernal na cidade litorânea. Parnaíba, a cidade na qual nascemos, está quente novamente, não tão forte quanto à capital de Piauí, Teresina, mas igualmente sufocante. Nessa estação, as ventanias são fortes, quase torrenciais, e o frio é incômodo. Porém, nem por isso te impediu de mudar de ideia.

Você era tão teimoso.

E também era um doido apaixonado por agitação. Às vezes, seus pais vinham nos visitar enquanto brincávamos nas poças d'água no quintal, sua mãe era carrancuda comigo e brigava sempre que nos via juntos, ao contrário de seu pai que nos dava doces quando íamos jogar futebol sem preparo algum.

Eu continuo amando os dois, embora sua mãe ainda seja uma completa rabugenta comigo.

Éramos felizes sem saber disso, felizes na infância, e agora sei. Mesmo que não possamos refazer os mesmos hobbies, como antigamente, rever aquele velho Parque de Diversões acendeu em mim aquelas memórias inesquecíveis que tivemos lado a lado.

Memórias como nosso primeiro beijo.

Acredito que você não se lembre dele, talvez nem queira lembrar. Foi constrangedor. Tínhamos uns catorze anos na época, tempos de besteiras e palavras ao vento. Uma montanha-russa de emoções.

Lembro-me de que você ainda tinha várias espinhas pelo rosto, lentes de contato nos olhos pretos – porque havia garotos que zombavam de seus óculos – e uma áurea impenetrável que chegava me fazer perder o fôlego. Enquanto isso, eu mantinha o meu estilo Britney Spears de 2008 intacto, eu era uma completa maluca que roubou seu coração de gelo.

Formávamos um belo par, apesar das esquisitices, e ainda que tivéssemos discussões durante nosso namoro nossa conturbada relação permanecia estável. No momento presente, vejo-me nessa pequena e literal montanha-russa, enferrujada e quebrada, junto dos temores que dividi com você, os novos amores por cada ficha usada ou, ardilosamente, furtada que aprendi com você. Cada emoção que seu jeito desgovernado manifestou-se em mim está empregado nessa máquina. Impregnado em minha mente.

Lembro-me das suas pérolas de sabedoria em situações inoportunas, dos seus deboches indiretos, das suas maluquices extravagantes. Momentos que agora se tornariam apenas memórias.

Você dizia pra mim que pessoas viriam para ficar e outras sairiam para nunca mais voltar.

Eu achava aquilo um máximo, uma citação que levaria para a vida toda, até que descobri que você tinha tirado da abertura de Senhora do Destino. Passei a tarde inteira rindo, lágrimas caíam de tanto rir, enquanto sua família chorava em seu funeral na sala. De pouco em pouco, minhas lágrimas de riso se tornavam de choro, minha risada virava um grito esganiçado e meu rosto continuava vermelho.

Eles achavam que eu estava ficando louca. Bom, talvez estejam certos.

Toda noite eu cantava aquela música, e todas às vezes ria dela, porque assim conservava um pouco de suas lembranças. Um pouco de você mesmo.

Foi também nesse dia, através daquela lagarta metálica suja de fuligem centrada entre os ladrilhos daquele brinquedo vagabundo, que descobri mais uma coisa sobre você, uma coisa que deveria ser guardada as sete chaves: eu pude reconhecer seus sentimentos por mim. Cada sorriso tímido e cada olhar nervoso.

Eu sei que foi tardio, que não devia ter me concentrado tanto em algo que já não tem porque se interessar, mas você ainda era um enigma para mim. Toda vez que sentia seu toque, por menor que seja, parecia que uma sinfonia meticulosamente organizada tocava em meu peito. Meu coração dançava sincronizado com o seu, eu podia senti-lo também, um entrelaço combinado em cada relance de olhar. Não podíamos negar a química entre nós, mesmo com as divergências que tivemos ao longo dos anos.

Sua mãe.

Seus amigos.

Suas ex-namoradas.

Meus ex-namorados.

Admito que não foi uma tarefa fácil sem sua mão dando-me apoio, sem sua presença dando-me um incentivo. Nosso matrimônio são as únicas fotos que guardo no álbum, tudo o que veio antes parecia sem importância. Então perder você foi como receber um soco da vida, ela veio e retirou a única parte minha que valesse a pena.

Até que isso mudou também.

Você revidou, socou mais forte e a jogou no chão, porque no instante que partiu você me concebeu a chance de habitar uma fragmentação de sua existência. E ele nasceu forte, tanto quanto o pai, sendo tão valente quanto à mãe.

Desejei incessantemente descer a montanha-russa sozinha, sem nosso filho sentado a meu lado, cujo objetivo era dedicado em seu nome essa proeza de coragem, embora a altura não seja lá o sinônimo de radical.

Mas sabe o quão protetora posso me tornar com a idade e não queria ganhar uns ossos quebrados já no auge da velhice, por isso, usei suas roupas da juventude. Aqueles seus protetores de joelho e cotovelo que ainda pareciam novos. Recordo-me da última vez em que nos vimos, foi numa clínica médica onde estávamos sozinhos. Fazia mais de cinco meses que você tinha contraído câncer no pulmão e o diagnóstico ia de mal a pior. Você dizia que o mundo era cheio de pessoas ruins e oportunistas, mas também de gente graciosa e respeitável que sabem dar valor.

Você era tão contraditório.

E mesmo assim conseguiu me ensinar a viver sem que eu percebesse, ajudou-me a crescer apesar de nunca termos convivido com frequência e, principalmente, me amou quando nem eu mesma pude fazê-lo. Diante de todas essas lembranças, de todas essas lamúrias vindas de uma velha rabugenta, posso te dizer que hoje me despeço de você com lágrimas, mas não de tristeza, não mais, e sim de alegria.

Porque mesmo tendo vivido tão pouco teve a felicidade em suas mãos e desfrutou dela a vida inteira.

FIM

⟨FIM⟩

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Paleta De CoresWhere stories live. Discover now