Capítulo Um: Cinco anos depois.

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| Gables, Califórnia - Agosto de 2009 |


Era um amanhecer frio. A noite densa e escura lentamente desaparecia conforme a claridade surgia no horizonte. Minutos depois, os raios de sol invadindo a escuridão remanescente fazia o céu parecer um imenso campo de batalha, não haviam soldados ou espadas, apenas duas forças tentando decidir o futuro do amanhã.

Essa era a visão do amanhecer que Alex tinha da janela de seu quarto. Mas, por que uma guerra? Seria influencia do trabalho de história que fizera na noite anterior? Ou só a sua imaginação tentando avisar sobre o conflito que estava ocorrendo em sua mente? Podia ser ambos, talvez mais.

Alex fechou os olhos e suspirou, sentia-se exausta. Seu corpo implorava por mais um cochilo, nem que fosse apenas por alguns minutos, mas não conseguia. Mais uma noite, ela pensou. Não era a primeira e tinha certeza de que não seria a última. Por vezes, sua mente cansada culpava a si mesma, pelas noites mal dormidas, pelos problemas. Talvez a causa disso fossem suas lembranças, seus conflitos, ou o sentimento de imponência que ainda lhe importunava pelo que aconteceu há cinco anos. O único sentimento que conseguia distinguir, dentre toda a sua confusão interna, era a culpa, a mais pura e sombria, que corrompera sua mente e alma e a prendera num canto escuro. Alex sabia disso, sabia o que estava acontecendo consigo mesma e a causa, mas não queria uma solução, não queria uma luz ou uma saída, preferia apenas sucumbir no buraco vazio e sem fim de seu âmago...

Um som atordoante a arrancou de seus pensamentos, abriu os olhos novamente e encarou a paisagem lá fora. O céu já estava claro. Não dormira, não cochilara, ficara mais uma vez presa em seus devaneios. Estendeu a mão até o seu celular, que estava no criado-mudo ao lado da cama, e o ergueu para ver quem poderia ser. Era Helena, sua melhor amiga. Isso a fez atender a chamada de imediato, mas caso fosse outra pessoa, faria questão de enfiar o aparelho debaixo do travesseiro e deixa-lo tocar.

Resolveu atender o telefone? — o tom irritado de sua amiga a fez franzir as sobrancelhas. O que fizera? — Deixei umas cinquenta mensagens ontem a noite, fora as dezenas de ligações. Podia ao menos avisar quando for tomar chá de sumiço. Sabia que existem pessoas que se preocupam com você? — Alex suspirou sutilmente longe do telefone, não pegara no celular durante todo o fim de semana. — Se não fossem os seus tios neuróticos, eu teria ido aí para ver se você estava viva.

— Desculpa, fiquei ocupada arrumando umas coisas de casa, não lembrei de pegar o celular. —  não era mentira, embora estivesse encobrindo a maioria dos fatos.

Sério? Não tinha uma desculpa melhor? — Alex revirou os olhos e respirou fundo.

— Olha, Helena... —  parou de falar quando ouviu passos no corredor, fora do quarto. Pelo alto barulho que fazia, sabia exatamente quem era. — Conversamos no caminho para a escola, certo?

E tem outro jeito? —  Helena desligou, deixando Alex um pouco surpresa. Ela estava realmente irritada.

Fez um pequeno esforço para levantar da cama, já que algumas partes de seu corpo ainda estavam doloridas devido ao que acontecera. Por isso hesitou em continuar a falar com Helena, sabia que os passos do lado de fora de seu quarto eram do seu tio, Charlie, e queria evitar ao máximo repetir o dia anterior, precisava ser cautelosa com cada palavra ou movimento, senão logo se encontraria a mercê dos punhos e da raiva de seu tio.

Alex foi para o banheiro tomar um banho rápido, já que estava quase na hora de ir para a escola. Suspirou ao sentir a água gelada molhar seus braços, fazendo-os arder como se estivesse sendo banhada de álcool. Lembrava detalhadamente do momento em que pegara uma lâmina e fizera o que sempre costumava fazer. Sentir uma dor externa era um dos poucos jeitos que encontrara de lidar com a que estraçalhava a sua alma, no começo não parecia certo, mas quando percebeu que aquilo amenizava um pouco o que sentia, não parou mais... Nunca contou para a sua amiga, sabia que ela iria querer saber mais e não demoraria para estar no meio de seus problemas. Mesmo que Helena fosse praticamente sua irmã, preferia poupa-la de sua dor...

𝗜𝗿𝗼𝗻 𝗚𝘂𝗮𝗿𝗱𝗶𝗮𝗻 || ᴏ ᴅᴇꜱᴘᴇʀᴛᴀʀWhere stories live. Discover now