Capítulo Dez: Um abrigo em meio à tempestade

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Era como ser acolhida em meio à tempestade, mas ao invés de ser coberta por um edredom colorido e antigo e tomar chocolate quente para se aquecer, fora envolvida pelos braços robustos do professor Decket. Inesperado e gentil, assim poderia ser descrito o abraço dado por ele num momento onde sua mente estava à beira do colapso. Nada mais se ouvia na sua cabeça além da respiração de ambos no banheiro, e aquela voz sumira tão rápido como um vento barrado por uma porta. 

O líquido quente e avermelhado que escorria do curativo na mão da Hale mal tivera tempo de manchar o chão, pois seus dedos pararam de pressionar desesperadamente a ferida quando fora abraçada. Seus olhos azuis estavam presos num ponto qualquer, sua boca pendia um pouco aberta enquanto processava o grande cobertor humano que a envolvia, fazendo-a parecer tão pequena e frágil, mas, por meros segundos, decidiu ficar em silêncio para não gerar mais problemas... Se é que isso fosse possível. 

A colônia doce que ele usava preencheu suas narinas quando respirou fundo para recuperar o fôlego, um cheiro agradável que fez seus ombros lentamente caírem em relaxamento. Pôde sentir a mão dele se movimentar em círculos nas suas costas, um toque gentil vindo de mãos que pareciam tão pesadas e um ato inesperado vindo de alguém que nunca vira na vida. Pelo menos era o que julgava... Não era comum que se permitisse ser abraçada por mais alguém que não fosse a Kane, e isso atiçava sua curiosidade.

Perdera-se no tempo em que continuaram daquela forma, até que Decket finalmente afastou os seus braços, mas manteve as mãos nos ombros dela, como se ainda quisesse mantê-la segura sob o seu toque. Seus olhos cinzentos, uma cor tão incomum, exalavam uma estranha calma que penetrou o seu corpo com facilidade, um pequeno sorriso no canto de sua boca era o suficiente para dizer que ele não estava fingindo nada, era verdadeiro. Ele não está usando uma máscara... É só... Ele. 

Mesmo em silêncio, pôde ver a curiosidade quando a cabeça tombou para o lado e os olhos cinzentos dele caíram sobre os seus, a analisando atentamente e tentando entender como suas engrenagens funcionavam, ou descobrir o que as estava impedindo que trabalhassem normalmente. 

— Como você se sente? — a expressão calma no rosto dele e o tom de voz suave não a apressaram para achar a resposta. Os olhos dele preso aos seus de forma tão atenciosa lhe deram uma leve certeza de que ele não se importaria muito com a resposta, dado à insegurança e à desconfiança que ele estava testemunhando, e sim com a linguagem corporal da garota que já lhe era bastante legível.

— Melhor, eu acho... — uma resposta breve e direta, com uma pitada de incerteza para mostrar que não retribuiria sua gratidão com uma mentira tão descarada como um "Estou bem". Na verdade, existia alguém verdadeiramente "bem" no mundo? Se sim, se perguntava como seria estar na pele desse indivíduo... Poder dizer com certeza que estava bem era algo que há muito tempo não lhe acontecia. 

— É bom ouvir isso... — de forma sutil, a surpresa tomou novamente conta do rosto dela quando os lábios do Decket se curvaram em um doce e discreto sorriso, quase como se demonstrasse estar aliviado pela situação da jovem. O olhar dele baixou para a trilha de gotas de sangue que manchavam o chão branco e encerado do banheiro, seguindo as migalhas até os curativos avermelhados no punho dela. — Se incomoda se eu der uma olhada? A sensação não deve estar sendo muito prazerosa, eu suponho...

Sim, eu me incomodo. Essas palavras, que antes tinha a certeza de que as diria a qualquer pessoa que lhe fizesse a mesma pergunta, flutuaram pela sua mente até desaparecerem no esquecimento. Após segundos que pareceram minutos, sua cabeça moveu alguns centímetros para cima e para baixo, dando a ele a permissão para prosseguir com o desejado.

— Me avise se alguma coisa doer... — parou para pensar por um momento em suas palavras enquanto pegava gentilmente a mão dela. — Eu digo... Doer mais do que deveria. — o pequeno sorriso no canto da boca era o bastante para expressar um pedido de desculpas antecipado por qualquer sensação que causaria com os seus atos.

𝗜𝗿𝗼𝗻 𝗚𝘂𝗮𝗿𝗱𝗶𝗮𝗻 || ᴏ ᴅᴇꜱᴘᴇʀᴛᴀʀWhere stories live. Discover now