Capítulo Cinco: Velhos amigos.

62 7 24
                                    

* O capítulo a seguir vai apresentar temas pesados e sensíveis, podendo ser considerado um gatilho para alguns, então, principalmente para o público jovem, deixo avisado logo já.

<<<•>>>

Era noite. Tudo estava escuro e extremamente silencioso, exceto pelo barulho das corujas, plantadas na árvore no fundo do quintal, ou pelos grilos, que andavam de surdina em meio à folhagem, tentando escapar das garras afiadas das grandes caçadoras noturnas.

Tal arredor, quieto, e, ao mesmo tempo barulhento, nem sequer incomodou a jovem Hale, que, mesmo após horas, continuava a fitar o teto.

Ele era cinza, um tom como cimento que acabara de sair de uma fábrica, suas laterais eram manchadas com respingos de tinta branca, usada há alguns anos para pintar todo o quarto. Charlie quis assim, pois achou que já estava na hora da garota crescer e abandonar as cores, acreditando que aquele tom claro fosse acorda-la para a realidade. E assim ficou, tediosamente igual e sem sentido.

Seu quarto costumava ser vermelho com branco, alguns desenhos em preto nas paredes para combinar com os móveis que, por acaso, continuaram os mesmos. A cama permaneceu a mesma, um pouco maior que a de solteiro comum e ainda de frente para a sua escrivaninha. Do outro lado, o seu desarrumado closet, que há semanas espera ser ajeitado. Na mesma parede que fica a janela, uma placa de madeira, que mede cerca de 25 centímetros de largura, se estende até o canto e carrega cerca de vinte livros, alguns da escola e outros que obteve para ler, também haviam pastas e cadernos de desenho, muitos que nem lembra sobre o que é.

Logo ao lado, abaixo, fica a sua escrivaninha, a tinta preta desgastada nas laterais revela a madeira de boa qualidade utilizada para fazê-la, só precisaria de retoques. Por cima, livros espalhados, um estojo, um pote com acessórios para escrever, e uma pequena agenda que ganhara de sua melhor amiga, fazendo uma crítica sutil ao fato de que a Hale nunca tinha um compromisso, dentro ou fora de casa.

Na parede onde fica a sua mesa, pintou um círculo preto em meio ao mar de branco, e colocou as poucas fotos que lhe restaram. Algumas sozinhas com sua melhor amiga, umas com sua mãe, outras com Sarah, Alex e a família da Kane, também havia uma com os seus dois vizinhos favoritos. Aqueles eram os fragmentos restantes de sua alma, ou o que sobrou deles.

Mesmo cansada e exaurida, seu olhar ainda buscava por seu extinto universo. Naquele mar de cinza cimentado, costumava ver os seus planetas imaginários, habitados por seres que ela mesma criara; eram únicos, livres, e com infinitas capacidades. Entre os mundos, as estrelas pareciam vaga-lumes, algumas maiores e mais brilhantes que outras, porém, sempre ali, existindo e cintilando. Vivas. Quando era criança, o seu universo nunca esteve parado, mantinha um ritmo que a fazia pensar de uma forma criativa e intrigante, como se ela sempre estivesse cheia de pensamentos, visões e possibilidades, de tudo e sobre tudo. Alex o chamava "Pequeno Multiverso", ou simplesmente sua segunda casa, mas agora... não passava de um tom cinzento e feio..

— Livre... infinitas capacidades... — repetiu em um tom de voz irônico. Ergueu o braço esquerdo acima do rosto e suspirou antes de continuar. — Tudo socado, amassado e jogado fora...

As cicatrizes avermelhadas que percorriam sua pele ainda eram visíveis, pois, por algum motivo, estavam demorando para sarar. Em vez de se questionar o porquê, apenas desviou o olhar para a janela e arfou, não precisava correr para se sentir cansada ou sem fôlego, era sempre assim.

Respirar, inspirar, respirar de novo... pra que tanto esforço? É estressante sentir meus pulmões trabalharem para inalar o ar de um mundo tão cinza, ou ouvir o meu coração bater por um corpo e uma alma que já estão mortos... É inútil. Por que ele continua batendo? Por que eu continuo de olhos abertos? E respirando? Por quê...? Por quê...?

𝗜𝗿𝗼𝗻 𝗚𝘂𝗮𝗿𝗱𝗶𝗮𝗻 || ᴏ ᴅᴇꜱᴘᴇʀᴛᴀʀOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz