1 - O Piano

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Chego na casa de Matheus por volta das nove da manhã. Ele havia me ligado às sete. Obviamente eu não estava acordada. É sábado! Ele não quis dizer o que era na mensagem, só que era importante. Cumprimento o porteiro e entro. Seu casarão gigante. Herança na sua família há muitos anos. Dou bom dia para dona Andreia e para o senhor Lionel e pergunto aonde o Matheus está. No porão. Que estranho. Ele nunca vai lá. Eu até tinha esquecido que a casa possuía um.

— Finalmente! Eu já estava morrendo de ansiedade — ele diz, assim que entro pela porta.

— Pode me explicar por que você estava acordado às sete da manhã num sábado? Tem alguma prova que eu não sei?

— Que mané prova, nós estamos no começo do bimestre ainda. Enfim, querida amiga Luana, apresento-lhe o magnífico Maurício! Nome criado por mim — um piano. Ele tinha me feito acordar às nove de um sábado por causa de um piano!

— Não acredito que era só isso. Meu Deus.

— Só isso?! Só isso?! Lu, isso é uma preciosidade! Olha a pintura, o som — ele toca uma tecla aleatória. Aparentemente, o que o piano tinha de bonito, tinha de desafinado — Precisa de uns leves ajustes, mas está muito bom!

— Sim, sim. Posso saber, então, por que você me chamou aqui? Porque eu não sei tocar piano e, que eu saiba, nem você.

— Ora, porque você é minha melhor amiga e eu quero que você me acompanhe nessa incrível jornada. Nós vamos arrumar o Maurício.

— Nós vamos?

— Claro!

— Hum, ok. Já tô aqui mesmo. Você sabe consertar um piano mais velho que você?

— Óbvio que não

— Matheus... Acho que o resultado de zero mais zero você já sabe.

— Nós vamos chamar alguém pra consertar. Eu consegui o número de um cara que cobra mais ou menos, mas minha mesada consegue cobrir.

— Ainda não entendi o porquê de eu estar aqui.

— Pra me acompanhar. Nós somos melhores amigos. E não é como se eu não soubesse que sua agenda de hoje seria ver TV.

Um moço estranho de terno chega umas duas horas depois — quase uma hora depois do combinado —, falando sobre sua avó e seus saudosos tempos no Vietnã. Aquilo tudo começa a me deixar muito apreensiva, então o convido para olhar o piano.

— Nossa, esse realmente é um modelo bem antigo.

— Pois é, né? — diz Matheus, com um sorriso no rosto.

O homem abre o piano e encosta sua mão em meu ombro. Afasto-me educadamente, para não dar um chilique na casa dos outros, mas eu estava realmente incomodada com tudo aquilo.

— E aí, já sabe o que é?

— Bem... não tenho uma ideia clara ainda, mas creio que sejam nas cordas.

Ele fica mais uns bons minutos mexendo nas cordas do piano, até que, ao testar uma tecla, ela estava mais afinada e com pouco menos de som de um robô de trinta anos atrás.

— O que acha? — o homem olhou para nós. Matheus se aproximou do objeto e tentou tocar "Dó Ré Mi Fá". Estava péssimo — Caramba, deve estar na caixa de ressonância o problema. Vou precisar de mais umas boas horas para arrumar. Naturalmente, o preço aumentará.

— Poxa, mas aí sai do nosso orçamento — digo. Matheus me olha surpreso — Escuta, a gente te paga pela mão de obra de hoje e aí você volta outro dia. Matheus, entrega o combinado pra ele.

Histórias Para Gaivota DormirWhere stories live. Discover now