4 - Aquarela

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— Como você está? — León perguntou, olhando-me do banco da frente. Exausta era pouco para como eu estava me sentindo. Além dos nove meses carregando minha filha no útero, eu ainda havia ficado doze horas no centro obstétrico, esperando tudo ficar pronto para a cirurgia, e depois, mais dois dias me recuperando e esperando tudo se resolver para sair de lá com ela. Entretanto, tudo o que disse é:

— Estou bem, só cansada — o que era meio verdade. Eu estava bem mais cansada do que bem, mas ainda assim estava bem.

Ao chegarmos em casa, dei de cara com Tina, minha querida sogra, certamente não a pessoa que eu gostaria de ver naquele momento. Mas, para meu grande alívio (?), ela estava lá para fazer companhia a León. Fui direto para o quarto, dormir. Queria muito cuidar de Emília, mas o cansaço falava mais alto...

Acordo ainda com o gosto de nostalgia na boca. Tinha sonhado com o nascimento de Emília. Não era a primeira vez, mas acho que essa tinha sido a mais marcante. Pois era a última vez que eu sonharia com ela e poderia ficar observando seu crescimento na cozinha, enquanto ela tomava seu café da manhã. Minha pequena estaria num avião em direção à Itália em poucas horas. E sem uma passagem de volta.

Observo meu marido dormindo ainda na cama da qual eu tinha acabado de levantar e decido fazer algo egoísta por um dia. Visto uma roupa qualquer e saio. Vou em direção à loja de doces mais próxima. Eu preciso de um chocolate quente hoje e, aquele é o melhor da cidade. Durante o caminho, tenho mais algumas sessões-lembrança sobre o nascimento de minha filha.

Era um sábado à noite, se não me engano, minha sogra estava arrumando a cozinha e eu, dando de mamar para Emília. Ela não havia saído de lá desde quando tínhamos chegado da maternidade, há três semanas, sempre querendo ajudar com tudo que podia (e até com o que não podia). Emília tinha terminado de mamar, então coloquei-a no berço e fui dar uma olhada no que Tina estava fazendo. A cozinha estava uma bagunça.

— Oi. O que houve?

— Estava preparando uma papinha para a Mimi — ela respondeu, com um sorriso afetado.

— Ah, certo. É que ela já mamou, agora mesmo — alertei, de forma educada.

— Não tem problema alguns nutrientes a mais!

— É que, bem... eu tenho um pouco de receio de dar a papinha agora. Acho meio cedo — tentei ser um pouco mais direta.

— Não tem nada disso, não — e então lançou seu sorriso que diz "cale-se agora".

— Eu não quero — insisti.

— Não tem problema, de verdade. Eu dei a papinha para o León desde o primeiro mês.

— Aposto que foi ótimo — desdenhei —, mas eu não quero.

— Mas você precisa dar — ela ficou séria, de repente.

— Escuta, Tina, eu aposto que você sabe muito mais de bebês do que eu e tudo mais, mas a Emília é minha filha e eu não quero dar a papinha para ela.

— Certo. Divirta-se com a sua filha — então ela saiu. E não voltou tão cedo.

Claro que León e eu brigamos por conta disso. Ele queria que sua mãe ficasse ali para me ajudar a cuidar de tudo, e eu queria que ela ficasse bem quieta em sua casa, sem dar pitaco na criação da minha filha. E como eu estava um pouco sentimental por conta de todos os remédios que estava tomando para a recuperação da cesárea, tudo parecia um caso mil vezes maior do que seria num "dia normal". Por fim, ele se cansou de dormir no sofá, brigado comigo, e decidiu chamar minha mãe para me ajudar com tudo.

Desço do carro ainda pensando sobre a época do nascimento de Emília. Tinham sido tempos complicados e até estressantes, de certa forma, mas eu faria tudo de novo... A doceria (pelo menos ela) continuava do mesmo jeitinho de sempre, a pequena porta de vidro com a cobertura de lona rosa por cima. Lá dentro, as pequenas mesas para três pessoas à esquerda e o balcão aconchegante e os atendentes que eu conhecia tão bem e que me tratavam de forma tão agradável. Lembro-me da primeira vez que viemos ao local com Emília, quando ela tinha uns cinco anos. A loja tinha acabado de abrir.

Histórias Para Gaivota DormirWhere stories live. Discover now