De um instante passado

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— Eu ouvi suas canções — digo, esticando um dos meus braços.

Ele sorri, empurra a madeixa loura para trás e aperta minha mão com vasta gentileza.

— O que achou? — seu sotaque é mais forte do que estou acostumada.

— Verdadeiras... Soam como algo que eu gostaria de ouvir. Como algo que eu entendo.

— São ainda um pouco pobres perto das suas — ele sorri outra vez, mais comedido.

— Sem autodepreciação, Tom — pede Scooter —, não é algo que a agrada.

— Perdão — diz ele, guardando as mãos nos bolsos da calça.

— São eficientes — completo. — Principalmente Another love.

— Oh — sua expressão encena dor —, essa me deu bastante trabalho.

— Eu imagino — vou-me ao sofá abaixo da janela. — Mas tenho uma dúvida—

Vejo estacionado na fachada o Porsche que encontrei na orla da praia quando Harry sumira, lembro-me do sujeito num terno azul vagando pela areia, descalço. É ele, é o louro da praia... Congelo os olhos, não os movo, ainda estou processando.

— Sim...? — vejo que Tom tem o sobrecenho crispado.

— É você.

— O que...? Sou eu o que?

— Você estava na praia. Foi você que eu vi quando ele desapareceu...

Odell fita Braun, não disfarça a confusão, o empresário sacode levemente a cabeça como quem para me ignorar.

— Taylor, o que quer dizer?

— Você não se lembra?

— Sim, eu lembro — responde-me —, lembro do dia. Lembro do carro, afinal ainda o tenho, mas não lembro de tê-la visto.

— Não, não chegou a me ver. Só preciso que se lembre disso.

Ele meneia, aquiescendo. — Por que...?

— Acho que esta é a melhor hora para nos conhecermos. — Encaro Scooter. — Muito obrigado.

Ele arqueia-se à frente, devolvendo o agradecimento.

— E o que você fazia na praia naquele dia? — pergunta-me Tom.

— É uma longa história...

Ele dá de ombros. — Não há pressa.

— Vai transformar-me numa de suas canções? — cruzo as pernas.

Ele e Braun se entreolham; logo torna a mim com um sorriso de Chalamet. — Não.

A curva labial permanece, não fala a mais ninguém exceto a si, é um desdém e é, ainda assim, uma elegante introspecção. Questiono minhas palavras e a secura da resposta revela-me que não é tão macio quanto Harry; não lhe terei uma coleira na qual controlar. Este vem encouraçado pela vida, vem com cicatrizes mais do que tatuagens cobrindo-lhe a pele. Sim, este se parece mais comigo.

— Mas talvez... — ele se achega a um passo do meu joelho. — Você possa lembrar-se de mim nas suas.

Arqueio uma das sobrancelhas. Quanta audácia.

— Vamos — levanto-me. — Um Porsche é sempre um bom carro de fuga!

I Knew You Were TroubleOnde histórias criam vida. Descubra agora