Inevitável

27 10 6
                                    

A tarde corria lenta, a sala estava quase deserta

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

A tarde corria lenta, a sala estava quase deserta. 

Era assim que Nairobe sentia quando seu irmão se punha a folhear algum livro, como se não houvesse mais ninguém por ali. Esse era o momento que ela havia esperado. Sua mãe saíra com Rodolfo. "Unitário", com certeza era isso que os esperava e agora ela estava sozinha em casa com seu irmão.

Se aproximou da poltrona onde ele estava sentado, já que nem sempre suas asas eram invisíveis como as de sua mãe. Parecia que ele estava enfrentando algum tipo de dificuldade para se adaptar a elas, porque ficava desconfortável no sofá.

Nairobe acercou-se, sentou-se no chão e puxou uma publicação antiga e não se deu ao trabalho de saber exatamente qual era o título. O livro era apenas um pretexto. E de alguma forma, ele também sabia disso.

— Nairobe, você tem certeza que quer ler esse livro? — Ele apontou com a ponta da asa para o exemplar nas mãos da menina.

Ela gaguejou e viu que se tratava de uma edição sobre taxidermia prática e teórica. Não, Nairobe não se sentia bem para uma leitura dessas.

Deixou o livro de lado e puxou um banquinho acomodando-se diante do irmão e o encarando. Ele tentou desviar a atenção e voltar para a leitura, mas ela puxou a edição de suas mãos, fechando-a antes que o irmão pudesse se desvencilhar.

— Nairobe! Eu nem coloquei o marcador!

— Você tem a eternidade para reler esse livro. — Ele a encarou, ligeiramente desconcertado. Nenhum deles falava assim, não havia essa percepção de tempo a mais, de privilégio, era algo apenas que acontecia e ele realmente não desejava reler todas as páginas percorridas. Pelo menos por enquanto. — Eu quero respostas.

A menina foi incisiva de uma forma que seria impossível com sua mãe, mas com seu irmão era totalmente diferente.

Ele parou e olhou para os olhos grandes e escuros à sua frente, como avaliando o que se seguiria depois disso. Ela também esperou. Ele olhou para as mãos cruzadas no colo e suspirou.— Ela me pediu para não contar mais nada para você. Ela pediu por favor.

Uma onda de indignação, dúvida e descrença percorreu todo o ser de Nairobe. Como assim sua mãe pedira para que seu irmão mentisse para ela?

E como se ouvindo os pensamentos da irmã, ele acrescentou:

— Ela não pediu que eu mentisse, apenas para que não dissesse nada.— E por quê?

Ele deu de ombros.

— Acho que porque ninguém sabe o que aconteceria se você continuasse crescendo. Você já está com 14 anos, mas parece um pouco mais velha do que na semana passada. Você entende isso, Nairobe?

— Você também é um adulto agora e isso não parece incomodar! — ela explodiu, sentindo-se presa em uma armadilha feita de injustiça e amargor, sem sequer poder dizer quem a armara para ela.

— Nairobe, seu crescimento me afetou também. Eu apenas passei a crescer quando você cresceu. Fazia uns bons 89 anos que eu estava do mesmo jeito.

Nairobe o encarou. Onde ela estivera com a cabeça todo esse tempo que não percebera essa relação? Se bem que era muito difícil entender seu próprio crescimento, ainda mais o de seu irmão. Para ela, ele sempre fora daquele jeito, nada mudara, mas agora, prestando atenção, percebia que não era apenas um "adulto" no conceito que ela tinha de "gente grande" simplesmente por ser alguém mais velho. Ele era mais alto que o próprio Rodolfo e tinha barba. Ela não percebera isso em nenhum momento. Talvez estivesse ocupada demais olhando para si.

— Eu... Eu pensei... Eu pensei que você não fosse crescer... Que você fosse como a mamãe... — Nairobe não dizia, mas em seu tom de voz existia um perceptível pedido de desculpas.

— Não, eu não era, até...

Ele parou, a fitou com cuidado e continuou:

— Ouça, Nairobe, eu vou te dizer apenas algumas coisas, eu sei que você precisa saber. Mas você não preferiria viver mais alguns anos, umas décadas como adolescente, aprender, conhecer coisas? Quero dizer, as perguntas continuarão a existir, mas as respostas também. Por que adiantar tudo?

Ela olhou ao seu redor, e então sua mente a carregou por uma adolescência de séculos, do mesmo jeito, sem as respostas, apenas sentindo as suaves mutações ao seu redor de sociedades se alterando e se recriando, do tilintar dos vidros, das dúvidas que a assolavam, e soube porque não poderia esperar.

— Eu iria acabar odiando-a.

Seu irmão entendeu. Sabia que Nairobe falava de sua mãe e de alguma forma, mesmo que de uma maneira muito distante, ele conseguia entender porque isso era tão custoso para a irmã.

— Certo, eu posso contar algumas coisas, mas só algumas. E você deve prometer que irá esperar.

— Eu prometo

.Mas pela primeira vez Nairobe fizera uma promessa que não sabia se poderia cumprir.

NairobeWhere stories live. Discover now