1_ Um bom cappuccino sempre une as pessoas

142 17 12
                                    


Kentland, américa

Três anos depois


Atiro minha bota para o outro lado do quarto. Infelizmente, ela erra o despertador por pouco e sou obrigada a me mover rapidamente, com pressa, para que aquele som ensurdecedor do alarme cesse. Quando alcanço o botão e clico, me dou conta de que nessa brincadeira de tentar acertar o relógio eu fiz uma enorme bagunça no meu quarto. Minha maquiagem estava espalhada pelo tapete florido e dois quadros que eu acertei sem querer tinham tombado para o chão. Ignorei a bagunça e me pus a caminhar rumo ao o banheiro para escovar meus dentes.

Equilibro a escova de cabelo em uma mão e o borrifador de água na outra enquanto tento jogar o máximo de umidade por cima nas minhas plantas sobre a sacada. Encaro as orquídeas que ainda não floresceram e atiro mais do líquido sobre as folhas, com a esperança de que essa realidade logo possa mudar. Noto que um conjunto de formigas passeia sobre o parapeito da sacada. Me aproximo e estico meus dedos para que subam na minha mão. Uma delas, carregando arduamente um minúsculo pedaço de folha, sobe. Eu sorrio:

-Café já está pronto, Gwen! _ escuto a voz de Cornélio me chamando e deixando a criaturinha da terra de lado me apresso em pegar minha mochila e meu casaco. Tropeço no meio do caminho em uma das minhas botas estiradas sobre o tapete e caio sobre ele, arfando. Me dou ao trabalho de levantar devagar e arrumar meu cabelo de novo, mesmo sabendo que isso me faria me atrasar para escola.

Na cozinha, fito de longe Willy enquanto ele coloca um pedaço enorme de panqueca dentro da boca, se lambuzando com mel e chantilly. Ao perceber que estou encarando demais, ele estreita os olhos escuros e me encara de volta, me desafiando a falar alguma coisa:

-Você parece um porco comendo_ eu nunca deixava de aceitar um desafio.

-Olha quem fala_ meu irmão adotivo murmura com a boca cheia. Desvio o olhar para meu próprio prato para não assistir a comida rolando dentro por entre seus dentes_ seu quarto é que é o chiqueiro.

-As coisas só estão fora do lugar_ me defendo_ mas o cheiro lá dentro é bom, diferente do cheiro do seu quarto.

-Você nunca entrou no meu quarto! _ ele parece um garoto de dez anos muito ofendido.

-E você nunca desconfiou que foi por causa do fedor? _ giro minha cabeça para fita-lo de novo a tempo de ver que ele fez uma careta e mostrou língua para mim. Seguro uma risada.

-Vocês dois aí..._ Cornélio surge com um avental mal amarrado na frente do corpo e uma frigideira nas mãos_ ...paz pelo menos no café da manhã_ ele coloca os ovos mexidos no meu prato e faz um movimento rápido beijando o topo da minha cabeça. Eu sorrio, falsamente, escondendo que o gesto me incomoda. Não era como se eu não gostasse dele, eu gostava. O seu esforço em cuidar de mim, em fazer seu melhor, era notável. Mas ele não era meu pai de verdade. E eu ainda tinha essa sensação, mesmo depois de todos esses anos que meus pais de verdade estariam lá fora, por aí. Mesmo sendo tolice, eu me pegava pensando as vezes que se meu pai verdadeiro me visse aceitando beijos e abraços de outro homem, ficaria magoado. Só tolice. Mas eu pensava.

-Ela que começou_ Willy agora tem a boca vazia.

-Arrumo meu quarto quando voltar_ eu engulo os ovos às pressas, me pondo de pé.

-Não arruma não..._ meu irmão cantarola_ acho que na verdade você nunca arrumou.

-Vai ver eu nasci para dormir sobre as flores e não sobre lençóis_ brinco enquanto enfio uma torrada na boca e pego a mochila.

-Não se esqueça do jogo de hoje a noite_ Cornélio grita mesmo ao longe, perto do fogão_ vou pedir pizza.

-Pizza!_ eu rio e ignoro o grito do meu irmão, saindo pela porta da frente.

ExiladosOù les histoires vivent. Découvrez maintenant