Inferno ou águas profundas

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Menos de uma hora depois os gêmeos estavam juntos ao portão do Orfanato Baía Quarto Crescente. Cada um havia arrumado apenas uma pequena bolsa com pertences.

Polly Pagett os viu da janela do escritório. Deu um acenozinho através do vidro rachado e os chamou.

Os gêmeos acenaram de volta mas não entraram, e um instante depois haviam sumido. Confusa, a mulherzinha abriu a porta empenada e saiu ao sol forte. Quando chegou ao portão, franzindo os olhos por causa da luz, viu Jimin e Chaeyoung indo em direção à rua do porto e ao mar.

— Voltem, voltem! — gritou. — Este é o seu lar!

— Nem pense nisso! — gritou Jimin de volta, por cima do ombro.

— Muito bem — disse Chaeyoung apertando a mão do irmão.

Ao sol da manhã, a residência dos Busby brilhava como um castelo de contos de fada.

— Aquela será nossa ala — disse Jimin apontando à distância.

— É séria — respondeu Chaeyoung.

— Vou convencer o sr. Busby a deixar que eu dirija seus carros esporte.

— E eu vou encher a piscina com rosas, só porque posso.

Os dois riram e por um momento não viram Loreta Busby flanando por seu jardim em estilo Tudor, segurando uma tesoura de poda.

Mas ela havia notado os dois.

— Vocês vieram! — gritou a mulher. — Vieram cedo! — Largando a tesoura no gramado, correu para eles, bamboleando como uma geléia em camadas de chiffon cor-de-rosa.

— Hora de sair daqui! — disse Jimin. E, segurando a mão da irmã, correu.

Os gêmeos só pararam de correr quando chegaram ao porto. O lugar estava zumbindo de atividade, como sempre, numa manhã tão bela.

Os pescadores já haviam retornado com os peixes. No molhe, o processo de separação havia começado. Jogavam peixe no ar como malabaristas, para cá um atum, para lá um vermelho, para ali um bacalhau.

Mais além da área de separação, o molhe estava atulhado com armadilhas de lagostas, recém-saídas do oceano. Dentro das gaiolas, as criaturas roxas ainda se moviam como se procurassem um modo de escapar.

— Certo — disse Jimin. — Já nos despedimos. Não resta muito tempo.

Chaeyoung olhou pela última vez ao redor, depois assentiu. Para além do molhe dos pescadores, o porto dava lugar aos ancoradouros de barcos particulares.

À distância, o iate palaciano de Lachlan Busby brilhava ao sol. Fazia com que os vizinhos parecessem anões e os deixava à sombra.

O barco de Mason Park estava ancorado entre as embarcações menores. Era um veleiro simples, feito ao velho estilo, dentro do qual os gêmeos haviam passado muitas horas felizes com o pai. Chaeyoung e Jimin correram pelo cais de madeira que levava até ele.

— Aqui está — disse Jimin. Em seguida estendeu a mão e tocou a lateral do barco, os dedos passando pelo nome: Dama da noite. — Temos coragem para isso? — perguntou ele.

— Temos, sim.

Nesse momento o sol foi bloqueado por uma nuvem que passava. Uma brisa surpreendentemente fria passou pelo corpo de Chaeyoung e ela estremeceu devido à súbita queda de temperatura.

A presença dos gêmeos no cais começava a provocar comentários. Pessoas paravam para olhar e sussurrar. O que Chaeyoung e Jimin estavam fazendo ali? Não deveriam estar juntando seus pertences e se preparando para entregar o farol?

O barco não pertencia mais a eles, como estava claro pela placa de madeira colocada às pressas a bordo: “Propriedade do Banco Cooperativo de Baía Quarto Crescente.”

— Viemos nos despedir do barco do nosso pai — gritou Chaeyoung.

Ouviram-se ruídos de compaixão.

— Será que poderíamos ficar um instante a sós? — perguntou Jimin, baixando a cabeça.

As pessoas se afastaram, com os sussurros transformados em sibilos indecifráveis.
Logo foram distraídas pela chegada de duas mulheres sem fôlego, claramente perturbadas.

Num movimento rápido e ágil, Chaeyoung pulou no barco enquanto Jimin desenrolava as cordas que o amarravam ao cais.

— Parem os dois! — gritou Polly Pagett.

— Agarrem os dois! — berrou Loretta Busby.

Quando Jimin saltou a bordo, Chaeyoung olhou para as nuvens baixas se reunindo no alto e sentiu a brisa passar pelos cabelos.

— É um vento de popa, força dois, talvez três — disse, enquanto Jimin passava por ela. — Içar vela mestra — disse ela. A vela se abriu, enchendo-se com o vento que iria empurrá-los para longe. — Desamarrar proa — gritou Chaeyoung, desenrolando a corda.

— Desamarrar popa — gritou seu irmão. — E vamos nós!

Libertado das amarras, o barco deslizou facilmente para longe do cais. Enquanto Jimin soltava aos poucos a retranca, a vela mestra inflou, agradecido com o vento extra, e o barco rapidamente ganhou velocidade.

— Adeus, Baía Quarto Crescente — gritou Jimin.

Olhando de volta para o farol, poderia jurar ter visto o pai lá na sala da lâmpada, acenando para eles. Fechou os olhos, mas, quando abriu de novo, a imagem sumira. Suspirou.

— Adeus, Baía Quarto Crescente — repetiu Chaeyoung. — Ah, Jin, o que fizemos? Precisamos de comida! Precisamos de dinheiro. Aonde vamos?

— Eu já disse, Chae, temos tempo para descobrir. O que importa é irmos embora daqui o mais rápido possível. E ficarmos juntos.

Estabeleceram o rumo do barco nas águas escuras fora da baía. Os gêmeos olhavam o futuro cheios de esperança. Enquanto o veleiro ganhava mais velocidade, Jimin notou a placa de madeira ainda na proa.

— Propriedade do Banco Cooperativo Baía Quarto Crescente? Não mais!

Pegou a placa e a jogou, como um frisbee, no meio do oceano. Ela afundou sem deixar vestígios.

No porto, Polly Pagett e Loretta Busby descobriram que o infortúnio compartilhado pode ser um elo poderoso.

— Pronto, pronto, Loretta. Você não iria querer aquelas crianças bagunceiras na sua casa linda.

— Não, Polly, e eles iriam destruir seu lindo orfanato.

— Já vão tarde! Que os tubarões fiquem com eles.

— Não, Loretta, tubarões, não. Que os piratas fiquem com eles!

— Aaah, sim. Os piratas! Que os piratas fiquem com aqueles monstrinhos ingratos. — Ela passou o braço pelo de Polly.

— Por que não vem à minha casa para o almoço? Teremos cauda de lagosta agridoce. Lachlan virá do banco. Vai adorar vê-la.

Polly riu de orelha a orelha. Seu dia certamente havia passado de azedo a doce. E coisa melhor ainda viria.

— Isso foi uma gota de chuva? — perguntou Loretta.

— Ah, sim, acho que foi. E veja como o céu escureceu!

— Uma tempestade está chegando — disse Loreta. — E aquelas pobres crianças, sozinhas no mar.

Nenhuma das duas conseguiu conter a gargalhada enquanto corriam em busca de abrigo contra o mau tempo, que piorava rapidamente.

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