— Woodz, onde você ESTÁ? Woodz!
Chaeyoung já fora acordada por alarmes mais agradáveis na vida, mas não havia como duvidar dos gritos agudos da cozinheira. Abriu os olhos e foi lançada instantaneamente de volta ao vapor, ao calor e ao barulho incessante da cozinha.
Estava deitada no chão, no canto, com uma toalha de mesa engomada cobrindo-a como lençol improvisado. A cozinheira estava verificando panelas ruidosamente, levantando tampas e batendo como um percussionista que tivesse um senso de ritmo confiante, mas irregular. Woodz parecia ter sumido de novo.
— Onde está, meu garoto? Só tenho duas mãos, não é? Ah, isso é demais para uma mulher da minha idade!
— Posso ajudá-la? — perguntou Chaeyoung, levantando-se e dobrando a toalha de linho pelos vincos do ferro de engomar.
— Você? — A cozinheira parou. — Isso é meio irregular. Seria bom ter ajuda mas, não, você precisa descansar e recuperar as forças.
Chaeyoung balançou a cabeça.
— Estou me sentindo ótima, obrigada. Não sei o que há naquela sopa, mas estou cheia de energia.
A cozinheira sorriu.
— Obrigada, moça, fico feliz em ouvir isso. Muito bem, de cavalo dado não se olham os dentes. Só não espere que eu revele algum dos meus ingredientes secretos, hein? — Ela balançou uma espátula na direção de Chaeyoung, de um modo nem um pouco ameaçador.
— Sem dúvida — disse Chaeyoung. — Bem, por onde começo?
— Estas cenouras precisam ser picadas, para começar.
Chaeyoung olhou a montanha de cenouras — uma quantidade maior do que já tinha visto no mercado do porto. Sem se abalar, pegou um punhado e colocou sobre uma tábua de cortar.
— Muito bem — disse a cozinheira, observando Chaeyoung. — E no tamanho certo. Você é realmente uma bênção inesperada, sabia?
Enquanto a cozinheira corria para cuidar do resto da comida, Chaeyoung se ocupou com as cenouras. Sempre havia gostado dos aspectos repetitivos do ato de cozinhar — tinha descoberto que isso lhe dava um sentimento de calma e controle, em especial quando esses sentimentos estavam em falta nos outros lugares.
Lembrou-se da hora do jantar no farol, quando seu pai costumava preparar festins para os três, e ela e Jimin ajudavam cortando, mexendo e, o melhor de tudo, provando.
— Como está indo?
Um rosto sorridente apareceu do outro lado do balcão. Não era a cozinheira, e sim o esquivo Woodz.
— Bem — respondeu Chaeyoung.
— Você trabalha rápido — disse ele, jogando um pedaço de cenoura na boca.
Chaeyoung deu de ombros.
— A última coisa que eu esperava encontrar neste navio era uma cozinha.
— As pessoas precisam comer, moça — disse Woodz.
— É, as pessoas, sim, mas não... — ela baixou a voz. — Mas não vampiros.
Seu olhar encontrou o de Woodz.
— Ah, este grude não é para eles — disse o garoto, jogando outro pedaço de cenoura na boca.
— Então é para quem?
— Woodz! Woodz, quer parar de distrair a garota e fazer alguma coisa útil? Pegue aquela carne na geladeira.
— O dever me chama — disse Woodz, afastando-se antes que Chaeyoung tivesse chance de pressionar por uma resposta.
A cozinheira veio e deu um tapinha no ombro de Chaeyoung.
— Isso é que é trabalho rápido, menina — disse ela. — Acho que vou trocar uma palavra com o capitão sobre você. Parece um tremendo desperdício, quando eu poderia aproveitá-la aqui na cozinha. Seria bom ter mais um par de mãos para compensar aquele meu sobrinho imprestável.
Um tremendo desperdício? O que ela estava falando? Chaeyoung lembrou-se das palavras que a cozinheira tinha dito antes que ela caísse no sono. Os novos são sempre os piores, não é? O que ela estava falando? Uma onda de pânico começava a crescer. Mais além, Woodz tirou uma porção de carne da geladeira.
— O que está acontecendo aqui? — gritou Chaeyoung, largando a faca. — Para quem é toda esta comida?
— Cuidado, moça — disse a cozinheira. — Olhe, você se cortou.
Chaeyoung olhou para baixo. Sem dúvida, a faca havia feito uma incisão no dedo e uma pequena gota de sangue estava brotando na pele. Antes que ela percebesse, a cozinheira havia agarrado sua mão, apertando-a com força.
— Depressa, Woodz, mexa-se. Mexa-se, seu imprestável. Ah, que desperdício!
Chaeyoung tremeu, mas não conseguia escapar do aperto feroz da cozinheira. Quando levantou os olhos, viu, horrorizada, que o rosto da mulher havia mudado. Seus olhos estavam vítreos e toda a expressão era vazia, como se a vida houvesse partido da concha de seu corpo e ido para outro lugar.
Grace lembrou-se de como as feições de Lisa haviam se distorcido em sua cabine. Era a mesma coisa, mas ao mesmo tempo diferente. Será que a cozinheira era outra vampira? E Woodz? Chaeyoung tinha pensado que estaria em segurança ali, nessa parte quente e movimentada do navio.
Como estava enganada! Woodz tinha se juntado à tia e estendeu a mão para a de Chaeyoung, limpando seu dedo e enrolando um pequeno curativo muito bem-feito.
— Isso deve estancar o sangue — disse ela.
Atordoada, Chaeyoung olhou a mão com o curativo.
— Essa foi por pouco — disse a cozinheira. De repente, toda animada de novo, ela soltou a mão de Chaeyoung. — Uma cozinha não é lugar para falta de higiene! É melhor eu levar essas cenouras para a panela. E você, moça, é melhor parar um pouco. Não sei bem se você está preparada para o trabalho de cozinha, afinal de contas. É um pouquinho tensa demais. Talvez a escolha do capitão seja melhor, afinal de contas.
— Qual é a escolha do capitão? — perguntou Chaeyoung. — Por favor, pare de falar por enigmas e conte o que está acontecendo!
— Devo dizer que você acordou meio de mau humor — disse a cozinheira, franzindo a testa.
— Conte — repetiu Chaeyoung.
— Sem dúvida você sabe do essencial — disse a cozinheira, sorrindo para ela com uma sugestão de malícia. — Você é a nova doadora, não é? O velho Nathaniel vai se aposentar e você vai ocupar o lugar dele. Doadora?
Chaeyoung não estava bem certa do que a cozinheira queria dizer, mas não parecia bom. Queria perguntar mais.
Porém, quando abriu a boca, não saiu nenhuma palavra. Lembrou-se da visão do velho Nathaniel entrando tonto na cozinha, a pele pálida e fina como se estivesse sem sangue. O que a maldosa cozinheira estava dizendo?
Que o velho Nathaniel não era vampiro? Então era o quê? Você é a nova doadora.Temos outros modos de atender às necessidades da tripulação. As coisas começavam a fazer sentido. Talvez ela estivesse errada em confiar em certas pessoas. Surpreendeu-se com frio e trêmula.
Então um sino começou a tocar.
— Está na hora? Depressa, Woodz, de volta ao trabalho, caso contrário, não estaremos prontos para o Festim.
O Festim?
O sino tocou de novo.
— Esse é o Toque do Anoitecer? — perguntou Chaeyoung a Woodz.
Ele assentiu, jogando uma maçã vermelha para o alto e pegando-a entre os dentes. Tinha dentes estranhamente afiados, pensou ela, enquanto o garoto mordia a casca e penetrava na carne branca e cremosa. Mas vampiros não comem comida, não é? Tudo era muito confuso.
— Preciso ir — disse, sentindo-se nauseada. — Preciso voltar.
— Então vá.
Woodz sorriu para ela, a boca se abrindo enquanto mastigava o resto da maçã — sementes, miolo e tudo.
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Siblings Park - Demônios do Oceano
Vampire2505, litoral oeste da Austrália, em um lugar conhecido como Baía Quarto Crescente, é ali que os irmãos Jimin e Chaeyoung partem, após a morte do pai, faroleiro da cidade onde viviam. Negando a serem adotados ou irem para um orfanato, decidem fugir...