03. Pedido

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Depois que Cygnus esclarecera os reais motivos de seu aparecimento, foi como um acordo mútuo de que lidaríamos com o que quer que fosse depois. Logo o espírito das Estrelas também dirigiu o olhar para os arranjos de flores prontos para receberem Ivaar.

Uma bênção foi colocada sobre a urna e Kaira e Valquíria foram as que a viraram, deixando que as cinzas se acomodassem entre jacintos, lírios, margaridas e tulipas. As duas sussurraram mais algumas palavras e deixaram o resto de seus sentimentos serem expressos em forma de lágrimas.

Todos nós levamos um minuto diante do local de descanso de Ivaar, agradecendo por sua existência ao nosso lado. Eu percebi que Cygnus esperava para ser o último, não querendo se colocar no caminho de ninguém. Ele também chorava.

Era uma surpresa que Ivaar tivesse sido o espírito das Árvores, mas não era uma surpresa que ele havia marcado as pessoas a sua volta em qualquer época de sua vida. Pois ele era assim, gentil e presente, e agora cabia a nós carregar seu exemplo adiante.

Essa reflexão ficou comigo ao observar o fim das despedidas, com Annika acenando uma última vez para as flores e indo até Kaira, que a recebeu com um abraço. Em seguida, Cygnus pediu licença em um sussurro.

Com uma certa graciosidade, ele se ajoelhou diante dos arranjos e colocou uma mão espalmada contra a outra, em uma prece. Seus olhos se fecharam.

— Obrigado por tudo, meu amigo. Espero que tenha alcançado a Aurora Boreal em tranquilidade, e que seu silêncio o traga boas reflexões que o façam recordar do grande coração que possui. As Estrelas o aguardam para que faça uma Travessia pacífica.

Ele abriu os olhos, acariciou gentilmente as flores e se levantou, um suspiro carregado no peito.

— Obrigado por permitirem que eu me despedisse. — Cygnus sorriu, mais por cortesia do que por emoção genuína. Lágrimas ainda cintilavam em seu olhar.

— Não precisa agradecer. — Kaira tomou a fala  — Meu avô não era próximo de muitas pessoas, mas qualquer um que ele desejasse manter em seu convívio era especial. Ficamos tocados com sua visita.

— Foi uma honra conhecer seu avô.

— Obrigada por guardar este carinho pela alma dele. — Valquíria disse, os olhos igualmente cintilantes — Se importaria de responder algumas perguntas? Eu sempre tive curiosidade pela porção esquecida da vida do meu pai.

— Não me importaria nem um pouco, será um prazer sanar essa curiosidade.

Valquíria acenou com a cabeça em agradecimento, como se a ideia de ter um pouco mais da presença de Ivaar pudesse amenizar aquele dia.

Repentinamente, na quietude que se seguiu, foi possível ouvir um barulho alto, parecido com um grunhido. Já familiarizado com o som, encarei minha filha de forma automática, que estava com as bochechas avermelhadas.

Antes que pudessem entender o que havia se passado, Annika se transformou em um corvo e voou até meu ombro, escondendo o rosto em meu cabelo. Kaira foi a primeira a entender e soltou um riso suave.

— Isso foi o estômago dela? — Flake questionou e uma onda de risos começou. Eu também sorri. — Ela não come há quantos dias para ter feito esse barulho todo?

Annika soltou um crocitar irritado, pulando em meu ombro na direção de seu tio, ameaçando bicá-lo. Isso só aumentou as risadas.

— É melhor irmos saciar essa fome, não acha, pequena? — Val se colocou ao meu lado para acariciar as penas de Annika, que relaxou sob seu toque — O que acham de tomarmos um pouco de chocolate quente?

Quando cai a última folha ✓Where stories live. Discover now