03. Guardião

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sᴇɴᴛᴀᴅᴀ ᴀʟɪ na neve, vendo nada mais que os detalhes daquela manhã passarem pelos meus olhos, me perguntei pela centésima vez: aquilo tudo era real?

Eu estava sendo a espectadora de uma brincadeira de pega-pega entre os espíritos do vento e da neve. E, ao meu lado, estava um cara que era transmorfo. Ainda não tinha entendido muito bem o trabalho dele, para ser sincera.

Queria perguntar, mas estava em um processo levemente longo de assimilação das coisas, então eu nos deixei no silêncio, com apenas os risos dos gêmeos o preenchendo. Hazard os observava com atenção, por isso achei que não seria  problema se eu o encarasse de soslaio, queria analisar melhor suas feições.

Tinha de admitir, ele era lindo. Se não soubesse que ele se transformava em uma raposa, juraria que Hazard era um jovem de dezoito anos como eu, ou até mesmo um pouco mais velho, e completamente humano.

Mesmo assim, eu não conseguia superar o fato dos olhos dele aparentarem serem feitos de gelo, ou como seu cabelo parecia ser mais macio que o tecido mais macio. Nunca havia visto alguém tão...tão...

Nem palavras eu tinha. Eu definitivamente precisava pintá-lo.

— Está capitando minhas feições para fazer o quadro que prometeu, Kaira? — ele perguntou de repente, sem nem olhar para mim no primeiro instante. Desviei o olhar e senti meu rosto queimar de vergonha. Eu devia estar sendo muito indiscreta.

— É-É, isso mesmo.

Hazard pareceu não acreditar muito, pois começou a rir.

— Só estou brincando. Eu entendo sua admiração. — naquele momento, achei que ele ia começar a falar que sabia muito bem o quanto era bonito, mas, por sorte, estava errada — É uma novidade e tanto saber que espíritos da natureza existem.

— Nem me diga. Estou cheia de perguntas.

— Bom, faça-as. Estou disposto a respondê-las. — a forma branda e receptiva que ele se ofereceu para explicar me fez concentrar o olhar em sua figura.

— Posso fazer qualquer pergunta?

— Pode, mas também não prometo respondê-las todas hoje. Tente as mais básicas.

— É.. A Snow e o Flake, quantos anos eles têm?

— Algumas centenas só.

— Oi?! — arregalei os olhos e Hazard se virou para mim, franzindo o cenho de leve — E os espíritos têm uma infância tão longa assim?

— Ah, não. — ele soltou um riso, finalmente entendendo minha confusão — Eles foram amaldiçoados pelo espírito da primavera. Ela ficou enciumada quando o espírito da neve e o espírito do céu decidiram ter filhos e conseguiram.

— E daí o espírito da primavera os amaldiçoou para não crescer?

Hazard assentiu, tirando um pouco de neve da manga de seu casaco. Falar daquilo para ele era tão...Natural, como se debatêssemos o tempo.

— Ironicamente, essa Primavera, apesar de dar ao mundo uma época de fertilidade e recomeço, não é capaz de ter filhos. Então, quando, nas palavras dela, o espírito do inverno, "aquela mulher fria e sem vida", pôde gerar uma família, ela se enraiveceu.

— E o que ela fez? — era como se eu estivesse ouvindo a uma das histórias de contos de fada de meu pai. Soava tão irreal que me fazia sentir como uma criança.

— Ela esperou o momento que seus poderes estavam mais fortes, o equinócio, e os amaldiçoou para não envelhecerem tanto quanto o esperado. Como sendo o espírito capaz de dar vida e desenvolvimento, Primavera coordena o envelhecimento dos dois.

Quando cai a última folha ✓Onde as histórias ganham vida. Descobre agora