04. Poder de Escolha

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ᴇʀᴀ ɪᴍᴘᴏssíᴠᴇʟ.

Sempre que eu tentava comentar com Hazard algo sobre o Guardião, ou os gêmeos interrompiam com brincadeiras, ou ele surgia com um novo assunto antes mesmo de eu abrir a boca. E aquele era o único assunto mágico que tinha para comentar com ele, já que os gêmeos pediram para manter meu conhecimento sobre a árvore em segredo.

Mesmo assim, o universo não queria que eu compartilhasse aquela ideia com ele, então resolvi não insistir e esperar pelo momento certo. E ele veio.

Mais algumas semanas adentro de convivência com os espíritos, eu estava no sótão testando algumas novas misturas de tintas em uma cartolina quando percebi, através dos vidros, uma sombra no meio do cobertor de neve lá embaixo. Quando direcionei o olhar para verificar, vi duas geleiras me encarando.

Minha pulsação falhou de leve ao ver Haz ali, sozinho e em sua forma animal. Ele parecia me chamar com os olhos, como na primeira noite que nos conhecemos e, pela segunda vez, eu simplesmente fui, deixando para trás apenas o pincel e o avental que usava.

No entanto, diferente da outra vez, eu me agasalhei bem antes de sair. Poderia ser o meio de uma tarde, mas os termômetros denunciavam a baixa temperatura.

— Oi, Haz. — sorri, descendo os degraus da varanda e indo até ele. Inesperadamente, a energia que ele trazia consigo parecia carregada, quase aflita. A alegria deixou meu rosto. — Tá tudo bem?

Ele não respondeu. Simplesmente virou-se e andou um pouco para dentro da floresta, parando somente para checar se eu o estava seguindo. Hazard continuou me encarando e eu senti uma certa necessidade em sua fitada.

Hesitei em ir, mas depois de perceber que eu ainda ouvia o barulho de meu avô lixando madeira na garagem, concentrei-me em andar. Nós caminhamos por volta de dez minutos, com apenas minha respiração cortando o silêncio.

Quando Hazard parou, minhas pernas acabaram trombando em sua cauda, por eu estar distraída. Estávamos no meio de lugar nenhum da floresta. Fitei-o, sentindo aquela inquietação em sua energia rugir.

— Haz... — tentei soar doce. Não pude continuar pois sua transformação aconteceu em frente aos meus olhos.

Como eu já estava mais acostumada com a ideia de transmutação, pude observá-lo sem surtar. Era como se um arco-íris circundasse Haz e, de repente, sua figura ficasse turva demais, até que a imagem se desdobrava e lá estava sua forma humana, perfeitamente construída.

Mesmo transformado, ele continuou de costas.

— O que houve, Haz? Cadê os gêmeos?

— Os pais deles acabaram fazendo uma visita. Estou com o dia livre.

A voz dele era baixa. Bom, ao menos estávamos chegando a algum lugar.

— E aconteceu alguma coisa nesse seu tempo livre? 

Em resposta, Hazard se virou para mim lentamente, o casaco preto que ele usava se agitando com os movimentos. Arregalei os olhos com o que vi. Suas duas geleiras estavam na iminência de derreter.

— O que foi que... — foi tudo que saiu da minha garganta. Algo o havia chateado a ponto de fazê-lo chorar. Ou alguém foi capaz de fazê-lo chorar. Preocupação mesclada com raiva borbulhou em mim.

Ele deu dois passos em minha direção e se dobrou, apoiando a cabeça em meu ombro. Eu era muito mais baixa que ele e aquela posição parecia ser desconfortável. Considerei aquilo como um pedido de abraço.

Envolvi sua figura esguia, e foi quando ouvi o primeiro soluço. Não demorou muito para que o corpo inteiro de Hazard começasse a tremer e lágrimas esfriassem um pouco a superfície do meu casaco.

Quando cai a última folha ✓Where stories live. Discover now