02. Glacial

11.7K 749 2K
                                    


ᴏ ᴍᴇᴜ ᴘᴇsᴏ sobre a neve fez com que meus pés cavassem sulcos enquanto eu corria. Por sorte, estava de casaco e lembrei-me de pegar as luvas e o cachecol antes de sair, mas não podia dizer que estava 100% preparada para a temperatura que encontraria ali fora.

Saí tão rapidamente que nem se passou pela minha cabeça que eu ficaria tão fria, ou que pudesse ser atacada por alguma coisa. Mas eu não acreditava que aquela raposa iria me atacar, para ser sincera, eu não estava pensando muito, só no quanto queria encontrá-la.

Meu avô não ouviu eu sair de casa, acho que ele tinha ido para a garagem terminar uma encomenda, então eu estava sozinha. No entanto, como disse, eu não estava pensando muito.

O único som que me chamava maior atenção era a forma que minha respiração parecia sôfrega — eu realmente precisava criar mais resistência — e no modo como a neve cedia a cada passo meu. Por fim, decidi parar quando me cansei demais.

Expirando ruidosamente, olhei ao redor e me percebi cercada por árvores e mais nada. Finalmente, um pouco de sanidade ressoou em mim e eu olhei para trás para me certificar de que ainda avistava a luz da varanda de casa, e nesse meio segundo em que mudei a direção da minha cabeça, uma presença se instalou na floresta.

— Mas o quê...

Quando encarei o que estava a minha frente, a alguns metros, vi as duas geleiras que tinha avistado da janela. A raposa me analisava sem piscar, o focinho inquieto e as orelhas se remexendo.

— Oi.. — comecei em um tom de voz calmo, não queria assustá-la, principalmente depois de ver suas garras  — Eu te achei muito bonita, sabia? Acho que foi por isso que vim correndo, eu não via algo tão bonito como você há um tempo.

Ela continuou lá, imóvel. Experimentei dar um passo em sua direção, mas ela logo recuou. Entendendo o recado, andei alguns metros para trás até chegar a uma árvore, e me sentei perto da base de seu tronco. Não, eu não sentei só porque estava em um lapso de loucura querendo a companhia de um animal selvagem, eu estava bem cansada.

— Bom, você é nova por aqui? — arrisquei, fitando-a. Definitivamente eu estava louca. — Não ache que pergunto isso como uma moradora de longa data, eu sou nova aqui também, cheguei há uma semana.

A raposa tombou a cabeça para o lado, como se me entendesse.

— Só estou perguntando porque meu avô disse que essa floresta tem só esquilos, então você vai poder fazer um bom proveito sem se preocupar com concorrência.

Um longo silêncio se passou, e eu não sei por que estava esperando algo mais que um pequeno grunhido em resposta. Aquele animal carregava uma energia diferente. Quando me olhou da janela, imaginei que tivesse me visto de verdade.

Como não aguentava tanto assim o silêncio com alguém que não fosse Ivaar, decidi voltar ao meu monólogo.

— Sabe, essa coisa de te achar bonita é porque eu gosto de pintar quadros, e o contraste da neve com seu pelo é encantador. — a raposa se sentou e continuo a me encarar — Você não se importaria se eu pintasse um quadro seu um dia, né? — e ela continuava me encarando.

Sorri de leve quando sua cauda abanou um pouco, e ela se deitou na neve.

— É a primeira vez que acho algo memorável no inverno. Eu costumo não ter tanta criatividade assim nessa estação. — comecei a brincar com minhas luvas e estiquei as pernas. O frio já não estava me incomodando tanto, e o barulho do vento no alto dos pinheiros estava começando a me trazer paz. Talvez não foi tanta loucura assim vir para a floresta. — Sempre gostei mais do outono.

Quando cai a última folha ✓Where stories live. Discover now