Capítulo 3

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— Eu não ligo pra o que  você faz, ou fez. Desde que cumpra suas funções de forma correta, isso é  tudo que eu exijo de você! — O homem barrigudo e careca de pele esbranquiçada afirma. — Você pode começar hoje?

Abro um enorme sorriso no rosto, ao receber a notícia de que após passar dias procurando emprego em todos os lugares possíveis, e receber um não por ser a maior suspeita de um homicídio. Eu finalmente consegui um emprego. Era de péssima qualidade, longa carga horária e pagava pouco para o que exigia. Mas graças a ele eu não iria morar no olho da rua, poderia pegar as minhas contas e comprar comida.

— Muito obrigada! Senhor, eu prometo não decepcionar. Obrigada de verdade! — Eu agradecia, quase me ajoelhando aos pés do senhor que sorri fraco.

— Deve estar sendo difícil pra você. Mas logo esquecerão disso, e tudo voltara ao normal. Eu acredito na sua inocência! -Diz breve, me fazendo sorrir ainda mais. — Bom, você vai trabalhar até as 21h como o combinado, Se certifique de arrumar o estabelecimento se precisar, e fechar todas as portas. Tenha um bom dia de trabalho

— Obrigada de novo senhor, muito obrigada mesmo!

O dia havia sido calmo, muitos jovens vinham aqui por ser uma loja na rua de uma escola, poucos deles me reconheciam o que era ótimo. Nunca trabalhara em uma loja de conveniência antes, e pra uma novata, eu até estava me saindo bem.

O barulho do sino me serve de alerta para um nojo cliente, então levo meus olhos até a porta, vendo uma moça de pele branca e cabelos negros batendo nos ombros. Levanto-me da cadeira, me dirigindo rapidamente até o balcão. A moça não  me olha, apenas entra na loja em busca do que precisava comprar.

Alguns minutos se passaram, e ela volta com produtos de beleza  na mão. E ao me olhar, uma carranca enorme floresce em sua face.

— Eu conheço  você!  — Afirma, me olhando com  repulsão, enquanto se aproxima  do balcão. — Você é aquela vadia assassina do jornal.

Suspiro fundo, contando de um a dez, e a olho com um sorriso nos lábios.

— Não toleramos agressões verbais ou físicas para com os funcionários nesse estabelecimento senhora. — Digo, e rapidamente ela joga o produto no chão

— Como ainda deram um emprego a uma marginal como você? Enquanto tantas pessoas de bem estão precisando de um emprego nesse país? O seu lugar é  na cadeia.

— Olha aqui sua vagabunda. Eu não vou tolerar que fale assim comigo apenas por ser uma cliente. Traga-me uma prova de que eu assassinei uma pessoa, e então eu permitirei que fale da forma que quiser comigo. — Esbravejo, já perdendo a paciência — agora saí  daqui, antes que eu te processe por calúnia e agressão verbal

A Mulher me olha por alguns segundos calada, e então, quando eu menos espero sinto algo frio e gosmento tocar meu rosto. Ela havia cuspido em mim

— Sua cadela nojenta!— É tudo que diz, antes de passar pela porta.

Com a mão limpo o excremento do meu rosto. E minha garganta tranca, com a tentativa inútil de segurar o choro que insistia em sair. As lágrimas rolavam ligeiramente em meu rosto, como se estivessem travando uma corrida primordial.

Eu olhava para baixo, vendo as pessoas passando. Enquanto sentia a brisa leve bater em minha pele, e fazendo minhas madeixas cacheadas dançarem no ritmo do vento. Suspiro mais uma vez, me perguntando internamente o que diabos eu tinha feito de tão ruim, pra ter uma vida miserável como essa.

— Dia ruim? — Aquela voz conhecida chama a minha atenção “Puta merda" penso sem me virar para o homem, que se aproximava ainda mais.

Tinha o evitado mais que o diabo evita a cruz desde o ocorrido com a minha irmã. A notícia que meu vizinho bizarro sabe de detalhes fundamentais da minha vida, não me agradava nem um pouco.

— Pode me evitar, mas não pode me ignorar... — Diz, se apoiando no muro do terraço, da mesma forma que eu.

 — Eu não  tenho grana nem pra comprar a porra de um cigarro pra matar meu vício. Trabalho o dia todo pra ganhar menos que um salário mínimo, e sou constantemente humilhada sofrendo agressão verbal e física por ser acusada por um crime que não  cometi. Então sim, meu dia foi bem ruim!

Ele suspira, pegando algo em seu bolso. Então repousa sobre a batente do muro uma carteira de cigarro e um isqueiro. Meus olhos brilham com aquela imagem, e sem pensar duas vezes pego a carteira, tirando um cigarro e o acendendo em seguida.

Ao tragar, eu poderia sentir minha alma flutuando

— Merda, como eu precisava disso. Abençoada seja a nicotina!

— Tudo vai ficar melhor a partir de agora, amor... Eu vou me certificar disso.

— Tudo que eu quero de você  é que se comporte como um vizinho normal. E para de me chamar de amor, é estranho. — Digo devolvendo os objetos a ele —Até outro dia!

Eu não notara qual exato momento eu comecei a apenas chorar, sem explicação, e sem conseguir parar. Mas fazia um pouco mais de uma hora que eu estava deitada no chão do banheiro, em posição fetal, soluçando loucamente enquanto sentia água fria escorrer sobre meu corpo. Eu sempre fui um fracasso, mas agora as coisas então bem piores pra mim. E eu não sabia por quanto tempo mais poderia suportar aquela situação. Lembranças de toda a minha vida vinha em minha mente.

Eu lembrava de quando a única pessoa que me amava de verdade se foi, levado por um câncer cerebral. Lembro de toda uma vida sendo rebaixada e humilhada por minha mãe, quando minha irmã sempre era a filha de ouro. Lembro da única pessoa que amei amorosamente, lembro de quando o peguei me traindo com, até  então, minha “melhor amiga". E agora era apenas eu, com um emprego chulo, uma casa caindo aos pedaços, e uma vida solitária.

Minhas emoções falaram mais alto que minha mente, e quando eu menos esperava, já estava com uma fita em mãos, tampando todos os fechos de portas e janela daquela casa. Ao terminar, carrego com toda a minha força o botijão de gás até a sala, o abrindo, e vendo  o gás vazar, ligo a TV. E apenas me deito, esperando a morte bater em minha  porta.

Logo meus pensamentos estavam fracos, e meu conscientes quase se desligando.

“Foi encontrado hoje a tarde o corpo  de Thais Buttercurt. Segundo fontes confiáveis, o cadáver foi encontrado na banheira. A causa da morte é  de afogamento."

Ainda com a vista embaçada, levo meus olhos até  a TV, e minha surpresa foi maior que meu rosto pode transparecer. A mulher de quem estavam falando, era a moça que havia cuspido em mim mais cedo. Então eu apago, perdendo completamente a consciência.

O vizinho do ladoWhere stories live. Discover now