capítulo um.

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PARTE 1.
H E L E N A

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Em um lugar tão grande quanto aquele, sempre havia o zumbido. Uma mistura de conversas, passos e interações que resultavam num barulho incessante, indecifrável e distante, mas sempre presente. No começo, eu odiava o zumbido constante, mas agora é tão familiar quanto o som da minha respiração.

Diferentemente do primeiro semestre, eu entro na faculdade me sentindo em casa. Estudar é a melhor coisa do meu dia, estar ali é o ponto alto da minha vida, o que é preocupante. Se eu estou vivendo uma vida onde ir para a faculdade é a única coisa que me dá prazer, algo está muito errado com minha vida social.

Mas, vamos lá... Quem precisa de vida social?

— Bem vinda de volta. — Betina cumprimenta quando passo por ela no corredor requintado, indo em direção a sala da primeira aula.

Ah, o início de um novo semestre! Todos tão cheios de novidades, fingindo que as férias foram incríveis, mas na verdade, foram marcadas pelo tédio e visitas cheias de animosidade aos familiares insuportáveis. Todos somos personagens secundários se matando para alcançar o protagonismo, fugindo a todo custo de nossas vidas medíocres e sem propósito, mas ninguém jamais admitiria tal coisa.

— Como foram as férias? — Pergunto quando noto que estamos indo para a mesma direção e eu sou obrigada a continuar a conversa. Odeio interações sociais, sinto um pânico crescente subir pela garganta toda vez que preciso estar numa conversa. Exceto por duas ou três pessoas no mundo, não consigo ser espontânea com ninguém.

— Fui para Paris. — Betina diz com um sorriso cheio de dentes e eu sorrio de volta tentando mostrar animação, mesmo sabendo que ela só teria ido para Paris se esse fosse o nome da cidade no interior que os avós dela moram. Como disse: todos querem o protagonismo. — E você?

— Campos do Jordão. — Respondo ainda sorrindo. Não me importo com isso, pouco ligaria de dizer onde eu estava de verdade, mas a mentira saí antes que eu perceba e me forço a não rir. Ela parece surpresa, mas acredita prontamente. Quase rio. Ela deveria aprender comigo que se for para inventar uma mentira, deve usar fatos mais críveis.

Paris? Claramente mentira. Campos do Jordão? Um local totalmente plausível para passar as férias.

Faço uma nota mental para pesquisar o que as pessoas fazem em Campos do Jordão caso a minha mentira se espalhe, afinal, eu nem sei onde fica Campos do Jordão e minhas férias foram resumidas a comer comida de vó, ajudar a tirar leite de vaca e abraçar porquinhos recém nascidos.

— Vamos enfim estudar com o Kaldor! — Betina exclama tão animada quanto uma criança na manhã de natal. Não me importo com isso, diferente de meus colegas, que são fissurados pelo professor de Direito Penal. Entro na sala nova, a única que eu não tinha frequentado nos últimos dois períodos.

— É. — Concordo desistindo de fingir animação. Nada mais me deixa animada, ou minimamente feliz. Tudo é cinza, estarrecido e sombrio.

Eduardo Montserrat Kaldor, a espada constante sobre nossas cabeças, o mítico professor de Direito Penal, conhecido carinhosamente por todos que estudaram com ele como Carrasco. Enquanto Betina, e o restante da população feminina da turma, mal podia esperar pelo terceiro período e o início das aulas com o professor de beleza arrasadora, eu sei que todos estavam prestes a cair no inferno. Eduardo Kaldor é alguém que eu acompanhava a distância, observando todos seus feitos, os casos impossíveis, o fato de que ele nunca havia perdido nos tribunais. O que o homem tinha de bonito, ele também tinha de arrogante e esperto, o melhor advogado criminal do estado. Nem sempre seus casos terminavam em absolvição completa, mas seus clientes podiam contar com ele para a menor pena possível.

MONSTRO. | Professor × Aluna.Where stories live. Discover now