capítulo sessenta e oito.

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Há uma criança dentro de mim. Mesmo sendo impossível, mesmo que eu não possa conceber, há uma criança dentro de mim. Será que já não fui castigada o suficiente? Ainda terei que carregar um filho seu? Um maldito filho seu? Alguém que será idêntico a você? Eu não suporto a idéia de ser mãe de um filho seu, de carregar dentro de mim parte do seu DNA. Eu já te disse uma vez que jamais faria um aborto, mas agora reconsidero minhas opções.

Eu não quero ter um filho seu, eu não quero ser mãe de um filho seu.

Eu não queria um milagre. Deus, por favor, não me castigue mais.

Será que ser estuprada quando criança, ter sido traída e ferida por todos que eu amava, já não foi o suficiente? Porque eu ainda tenho que carregar uma criança fruto de um relacionamento mentiroso, filho de um homem que nunca me amou?

A notícia que estou grávida se espalhou como fogo por mato seco. As pessoas na faculdade sabem e agora, Eloy também. Ela exige um teste de DNA, mesmo que eu diga que não precisa, que não quero NADA dela, de vocês. Mas você conhece sua irmã, ela é imparável. O teste de DNA está agendado; eu queria poder ter esperanças de que não é seu.

Há uma criança dentro de mim, mas ao invés de ir a uma consulta obstétrica, estou indo ao psiquiatra, Lucas e Samuel me fazendo companhia. Eloy insiste que estou deprimida, que isso não é saudável, e diz que não vai permitir que eu morra enfurnada dentro do quarto. O DNA saiu há uma semana e ela mudou tudo: me levou para o seu apartamento, começou a comprar roupas unissex para o bebê, me deu (e comprou para ela) livros sobre maternidade, e colocou um cartão ligado às suas contas em minhas mãos. Eu recusei, mas ela insistiu, então deixei o cartão na mesa de cabeceira. Não tenho porque usá-lo, nem saio de casa, então não brigo.

O psiquiatra disse que estou apática e em estado de negação, que ainda não aceitei a gravidez. Dei permissão a Lucas para ele contar toda a história, pelo menos o que ele sabe, então, quando entrei no consultório, Dr. Edson já tinha uma ideia do que eu havia passado. Ele me disse uma coisa que nunca vou esquecer:

“Agora que você sabe tudo que te aconteceu e está tentando se acolher, tentando cuidar de si mesma, precisa cuidar de outra pessoa, criar outra pessoa. Eu imagino o quanto esteja sendo difícil. Você mal sabe como lidar consigo mesma e agora precisa lidar com uma criança.”

Eu chorei. Chorei muito, muito, muito. Talvez por causa dos hormônios, talvez porque seja verdade. Uma verdade nunca doeu tanto. Não sei cuidar nem de mim, sou tão pequena e frágil, tão impotente, como vou cuidar de uma criança? Meu Deus, como vou protegê-lo? E se for uma menina? E se for uma menina, Eduardo? Como vou poder dormir em paz sabendo que coloquei uma menina no mundo, uma menina que pode sofrer tudo que sofri? Não consigo. Não quero. Meu Deus, não posso ter essa criança. Não posso ter essa responsabilidade.

Se você estivesse aqui, eu ficaria mais tranquila. Você é louco, isso traz segurança. Pelo menos saberia que nada aconteceria com nossa filha porque você estaria lá. Você quase matou um homem por minha causa, imagine o que não faria por sua bebezinha. Conheço seu amor por Lucas, imagino que não será diferente. Estou na área de visitas da prisão, há alguns metros de você, provavelmente, mas não tenho coragem de entrar, de pedir para te visitar, por isso estou escrevendo. Quero te torturar, mostrar que estou grávida, dizer o quanto odeio essas gravidez unicamente pelo pai ser você, mas não consigo. Existe alguma parte de mim que ainda não perdeu o senso de respeito, o senso de empatia. E existe uma parte de mim, uma parte obscura e quebrada, que ainda ama e se preocupa com você. Uma parte vergonhosa que sangra por você, que se compadece do seu sofrimento, que deseja que você saia desse maldito lugar.

MONSTRO. | Professor × Aluna.Where stories live. Discover now