Capítulo 3

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Você era você
Tão especial
Me olhava igual sorriso de criança
Esperando o presente de Natal
Dois corações – Melim

Aquele estava sendo um dia um tanto complicado para Levi. Ele tinha seus altos e baixos desde seu divórcio recente que não fora nada amigável, apesar dos esforços dele para manter um diálogo e uma convivência pacífica. Nunca havia sido pego de surpresa de tal maneira por uma reação exagerada e aquilo o magoava dia após dia, mas nada podia fazer a respeito. Ainda era muito ligado à ex esposa e tentava aos poucos juntar os cacos de si mesmo para esquecer essa fase da vida.

Se fosse honesto consigo mesmo, não entendia a razão de estar sentindo tudo aquilo. Era um homem feito, de 45 anos, que já havia passado por outro divórcio antes e, no entanto, estava chorando por esse como se fosse um término de namoro de adolescência. Não compreendia porquê aquilo lhe afetara tão profundamente. O fato é que nunca se sabe o efeito que alguém terá na sua vida até que você se envolva de fato. Duas pessoas podem conviver por anos a fio sem despertar uma conexão e outras duas podem se conhecer por duas semanas e causar mudanças para uma vida inteira. Levi lembrava de pessoas que havia conhecido muito brevemente em sua juventude e que até hoje norteavam suas ações como adulto e pessoas com quem ele convivia há anos que nunca haviam tido um impacto significativo em sua vida.

De qualquer forma, procurava não falar muito sobre seus problemas ou sentimentos com as pessoas ao seu redor, pois sempre queria ser positivo e levar só boas energias para quem convivia com ele. Por isso estava determinado a não deixar a tristeza que o acometera naquela manhã afetar o seu dia e escolheu uma de suas camisas favoritas, uma vermelho-vivo, para ajudá-lo a sentir-se melhor. Levi precisava passar por esse dia, só por esse. Focava em viver um dia de cada vez e esperar que o amanhã fosse mais alegre.

Seu celular vibrou no bolso da calça preta que usava e, ao olhar para tela, sorriu ao ver o nome de sua mãe.

- Oi, mãe. – Ele tratou de animar o tom de voz para atender.

Dona Dalva andava preocupada com o filho caçula desde o divórcio e ligava quase todo dia para conversar. Levi gostava da atenção, mas não queria que ela se preocupasse com ele àquela altura da vida, então sempre lhe tranquilizava e dizia que tudo estava bem.

- Oi, filho. Tudo bem? Como você está se sentindo hoje?

- Estou bem. Não precisa se preocupar.

- Fico feliz de ouvir isso, mas tudo bem se algum dia sentir tristeza.

- Eu sei, mãe. – Ele sorriu amorosamente, mesmo sabendo que ela não podia vê-lo. – Mas e a senhora? Está bem?

- Sempre bem.

- Isso que eu gosto de ouvir. – Levi distraidamente mexia na gola da camisa na frente do espelho de seu quarto.

- Estás indo para o trabalho?

- Daqui a pouco. Estou terminando de me arrumar.

- Vais vir no final de semana para cá?

- Claro que vou. Almoçamos no domingo?

- Isso.

- Então eu te vejo no domingo, mãe.

- Te amo, filho.

- Também te amo, mãe. – Ele desligou o celular e o devolveu ao bolso.

Olhou-se no espelho, observando a própria imagem com um leve sorriso e respirando fundo, passando a mão pela barba por fazer. Seus olhos castanhos tinham uma nota de tristeza que ele tratou de esconder. Não se deixaria derrubar. Com mais um suspiro, pegou as chaves do carro e saiu de casa para ir trabalhar.

* * * * *

Ao entrar na Sala Criativa, Levi sentia-se mais confiante e vestiu seu melhor sorriso para cumprimentar todos enquanto ia até sua mesa ao fundo. Ponderou que estava fazendo um ótimo trabalho escondendo sua tristeza e seu olhar recaiu sobre Fabiana, que o observava. Seu sorriso naturalmente se alargou sem que ele fizesse esforço, o que o surpreendeu, mas Levi havia mesmo percebido que ela lhe fazia bem só com sua simples presença.

Tinham se tornado bons amigos incrivelmente rápido nos poucos dias em que Fabi estava trabalhando na empresa e em geral ele não conseguia se sentir triste na presença dela. Conversavam frequentemente e não era incomum que Levi se visse compartilhando com ela coisas que não contava para mais ninguém.

Fabi retribuiu o sorriso largo que ele lhe dava enquanto passava e seu coração se sentiu calmo, sua alma estava em paz. Com muito esforço, desviou os olhos dela e continuou para a sua mesa, onde largou a mochila e se sentou. Seu olhar voltou a cair sobre ela, como se estivesse sendo atraído por uma força magnética, e Levi notou que ainda o observava. Fabi desviou os olhos rapidamente ao ter sido notada, o que o fez rir levemente. Era incrível que eles não tivessem trocado uma palavra sequer, mas ela já o fizera se sentir mais calmo e até dar uma leve risada. Quem sabe se... Ele hesitou. Sentia vontade de ir até ela e contar o que lhe afligia, pedir se ela estava bem, ouvir sobre sua vida e seus sentimentos. Por que sentia isso? Não contava muitas de suas dores nem para amigos de longa data, mas queria compartilhar tudo com ela.

Antes que pudesse racionalmente tomar a decisão de ir até Fabi, seu corpo agiu sozinho e o levou até lá silenciosamente. Ele observou-a por alguns instantes, sua concentração admirável no trabalho que estava fazendo, e sorriu.

- Você parece concentrada. Atrapalho? – Começou Levi.

* * * * *

- Vou te deixar trabalhar. – Levi se levantou com muito esforço, devolvendo a cadeira que havia pego da mesa ao lado.

Ficaria horas ali conversando com Fabi se possível, mas ambos estavam no meio do expediente e ele, como diretor, tinha que dar o exemplo. Eles teriam outras oportunidades para conversar, garantiria isso.

- Estou aqui sempre que precisar conversar. – Fabi alargou seu sorriso.

- Obrigado, querida. – Ele se afastou.

Sua mente ponderou de onde tirara a liberdade para chamá-la de querida, mas sentia-se íntimo dela e tinha a sensação de que a conhecia há anos, não há dias. A vida às vezes tinha dessas conexões inexplicáveis, que pareciam vir de outras vidas.

Levi acreditava firmemente em vidas passadas e imaginou que essa não era a primeira vez que encontrava Fabi. Talvez fossem amigos há muitos séculos, companheiros de alma, reencontrando-se vida após vida.

Ele sentou-se em sua mesa e a observou, ainda sorrindo. Fabi conversava com Felipe e Levi ficou curioso para saber sobre o que conversavam. Imaginava que tivessem ficado amigos, pois era fácil de dialogar com ela, de confiar e se sentir em paz ao receber seu sorriso. Ele sacudiu a cabeça e voltou seu olhar para o computador à sua frente, tentando focar sua atenção no trabalho e até conseguindo por um tempo. Se sentiu observado e não precisava nem erguer os olhos para saber quem o olhava. Encontrou o olhar de Fabi com o seu e trocou seu sorriso com o dela, sentindo-se pleno.

Observando os olhos de Fabi, pensou sentir um carinho especial irradiando dela, algo que o acalmava como nenhuma outra coisa. Sabia que o sentimento de amizade era recíproco, mas aquele carinho que ele tinha a impressão de ver parecia oferecer algo a mais, uma possibilidade além da convivência entre dois amigos. Mas devia estar imaginando aquilo. A última coisa que queria no momento era se envolver com alguém enquanto ainda tentava se recuperar do baque de seu divórcio. Fabi tinha uma luz dentro de si, sem dúvidas, e se ele estivesse inteiro talvez a olhasse com outros olhos. Sentia-se atraído tanto física quanto mentalmente, não tinha como negar, e a queria perto sempre, só não tinha certeza de que forma.

Respirou fundo e decidiu que não seria bom se perder nessa linha de pensamento. Era muito prematuro, apesar da sensação de familiaridade e conforto que Fabi lhe transmitia, olhando-o daquela forma carinhosa. Na verdade, justamente por isso devia ser cauteloso para não causar estragos. Como poderia se envolver com alguém, deixar que essa pessoa criasse vínculos e expectativas em cima de uma ruína emocional? Seria cruel de sua parte e Levi jamais faria isso com Fabiana.

Voltou-se novamente para o computador, mas sua mente recusou-se a voltar ao trabalho, ainda ponderando sobre aquela nota carinhosa naqueles lindos olhos castanhos que o observavam com tanta frequência sempre acompanhados de um sorriso.

Inevitável AmorWhere stories live. Discover now