— Oito! — exclamou Killian. O número era tão estranho quanto o cheiro de maresia no ar. Estávamos tão distantes dela.
Era filha do conde do Mar. E até os oito anos cresci num palacete.
Minha ama contava histórias de príncipes que se transformaram em pássaros e os nos jardins cresciam pêssegos. Fruta doce em formato de coração que comia escondida embaixo da árvore. Não é saudade que sinto. É… outra coisa.
— Enfim, hipocrisia — pensou alto meu novo valete. — Como um muquirano confesso, tenho que dizer, minha senhora, administra bem o dinheiro. Oito por cento. Com seus investimentos no último ano, acumulou oito por cento a mais. Considerando as 10 mil libras anuais do baronato, pode comprar um novo título, senhora.
Emiti um estalo com a língua.
— Sua memória é tão rala quanto sua mente é boa com cálculos. Quando os bastardos chegarem terei perdido tudo. — E assim, o conforto das memórias se desfez como as brumas matinais.
— Lhe falei apenas porque já não era segredo —defendeu-se. — Mas apenas selei e postei a carta. Willian redigiu o conteúdo.
Um dos criados bateu a porta do escritório.
— Seus convidados chegaram, baronesa.
A xícara protestou ao encontrar o pires. E Killian me lançou um olhar desafiador, como estivesse prestes a me barrar a porta. Que tente. Era alto e de corpo firme, mas não o bastante para mim. Para alguém sisudo, ele era muito expressivo. E irritante.
Meu olhar era um afiado tédio. Mas estava apregoada de dúvidas. "Aquela carta seria um conto doce e sincero como as que me escreveu outrora"?
"Não", decidi, "se o fosse, teriam vindo mais depressa".
Quando cheguei ao arco de entrada, o calor do meio dia ululava fantasmas. E do coche modesto, eles saíram.
Uma mulher de estatura média e rosto redondo. Uma grega estátua de cabelos morenos e pele castigada pelo sol. Seu rosto não dizia nada conforme subia as escadas.
— Por favor, não faça nada contra eles, senhora — falou, Killian atrás de mim. Mais uma advertência que pedido.
— Vou empurrá-la e bater nela com meu sapato, senhor Florentine.
E ele pareceu se perguntar se era humor de minha parte.
"Perspicaz sobre contas, tonto sobre tudo".
— Baronesa — cumprimentou Eloise Marchell. — Senhor Florencio…?
Antes que o valete respondesse, um garoto disparou pelas escadas e saltou sobre num abraço.
— Já faz muito tempo, Will — falou ele, sem desviar os olhos de mim.
— Will?
A pergunta da baronesa me fez engolir seco. Eloise como sempre polida, captou o atrito. Tirando o garoto do meio de qualquer embate que pudesse se desenrolar.
— Will Loras Alexander, baronesa — apresentou ela. — Peço desculpas por termos de conversar.
Não havia medo ou vergonha naqueles grandes olhos escuros. Nem raiva ou insegurança. Eloise era em tudo, distinta. Mas seus sentimentos e pensamentos eram indistintos; apenas seus.
Se já estava na chuva, me dispus a atrair a mim os raios.
— Eloise Marchell, baronesa — apresentei. — Eloise, conheça Irlina MacGyver, Baronesa de Applehall.
— Lamento as circunstâncias, senhora — Eloise arriscou um sorriso. — William me falou de você.
"Isso, Eloise, alisa a raposa como se fosse um gatinho".
Algo no interior da nobre parecia se revirar. Mas ela se manteria com um meio sorriso de raposa.
E isso me assustava.
— Por que ele achou que não podia me contar?! — Falava alto no estúdio, mais sozinha que irritada. Não ligava para quem estivesse ouvindo. Porém, não deixava passar nada, incluindo o homem atiçando a lareira. O mordomo fechou os olhos em culpa. — Killian?
E não pareceu, de fato foi uma ameaça.
— Você tem um tempemento afiado, digamos — iniciou ele. Buscava palavras, mas era demasiado sincero para mentir. — Se formos concordar, tem um jeito de vampira, e não é porque dorme durante o dia. O barão, a achava, coloquemoassim… difícil. Tem a astúcia de uma raposa, e não mede esforços para proteger o que é seu! — Abri a boca para protestar. Mas ele continuou: — É rápida na ira e colérica na vingança.
Gargalhei.
— Conseguiu expulsar uma freira do convento. Uma freira.
Minha cara fechou.
— Saia agora da minha propriedade — disparei. Killian engoliu o xingamento. — O que um mordomo, um ladrão, acha que sabe sobre mim? Por que pensa que tem o direito de me julgar?
Ele demorou alguns segundos para absorver o choque. Minhas mãos estavam apertadas. Apesar do tamanho, Killian guardou o atiçador com uma graça preguiçosa. Então se levantou com a mesma calma. E se colocou diante de mim.
— Eu fui um ladrão. Em Paris. Acha que tenho medo da senhora? — Os olhos negros eran pólvora a espera de um pavio. Não que importasse, percebi, a pólvora ali, estava molhada e inofensiva. — Pois bem, tenho sim. Seria um tolo arrogante se não tivesse. — Desviando o olhar com um suspiro, percebi algo nele pior que raiva ou pena. — Que importa minha opinião, quando todos os outros já deram a sentença?!
Nada disse. Apenas o silêncio duro estalado pela lareira a crepitar.
Killian já estava a porta quando parou:
—Senhora? — A voz voltara ao tom embasbacado. — Realmente não tenho para onde ir.
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Noites de Alabastro
Short StoryMaçãs são preciosos segredos Mas é preciso morder para encontrar.