Sopros de Maresia

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          Aquela maldita cara de cachorro sem dono me fez rir. E pronto: ambos sabiam que sua raiva perdia o significado. Xingava Killian em pensamento porque mesmo com aquele olhar clamando piedade, sua boca era cruel. Não gostava do seu julgamento.

       Partia o pão da ceia magra no escritório quando a garota entrou.

        Dividia o pão em pedaços pequenos enquanto ela falava. E a mandíbula trincada quando terminou.

— Isso acompanhou a carta, senhora — Eloise tinha muita astúcia por trás do recato, mas havia algo entre vergonha e pena quando depositou o sinete sobre a mesa. — O barão... lorde Willian, queria que Loras ficasse com ele. Só não parece certo, milady.

— É o símbolo de sua casa — Foi tudo o que encontrei para dizer. Era parecia honesta demais para ser odiada. E também real demais para ter sua presença tolerada. — Bons filhos teriam vindo mais cedo.

        Torcia as saias do vestido entre os dedos, a observando com meio sorriso. A mocinha pareceu perdida no padrão do piso, antes de recuperar a voz:

— Lorde Willian enviou com a carta a certidão, era seca e objetiva, distante, mas sempre foi o jeito dele, presumo. — "Sim e não. Seu jeito era pragmático. Suas palavras já foram sinceras e vivas". Mas isso parecia ser em outra vida, quando éramos outras pessoas. — A senhora minha mãe evitou o escândalo. Em especial com ele doente. E depois, acho que não que não queria nada disso — Seu dedo deu uma volta.

— Lamento a doença dela.

— E eu a sua perda. Nossa — colocou depressa. — Nossa...  Ele sempre visitava e contava histórias de viagens. Prometeu que estaria presente na minha apresentação a sociedade. Como algumas verdades simples e óbvias parecem mentiras tão absurdas, senhora? 

          Meu sorriso foi amarelo ao pegar a mão dela. "Céus"!

— Ela me odeia, Aveia — resmunguei, largado na cama de palha no sótão

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— Ela me odeia, Aveia — resmunguei, largado na cama de palha no sótão. Apesar da coloração de chuva ácida nas paredes, eram meu refúgio em Applehall. Pensando bem, era grato por nunca ter se mudado para o andar dos patrões e ter que cruzar com Irlina. — Deve me culpar pelas crianças, deve me culpar pela carta do barão. Deve me culpar até pela morte da rainha da Inglaterra! Que partido eu tomo, Aveia?

Os olhos da gata brilharam em compreensão. E em seguida ela me deu um tapa.

— Pode me machucar, mas ainda te amo!

Para isso a gata não lhe deu a mínima.

Era uma bichana comprida, de rabo peludo como um espanador que deixava sempre empinado, mas nunca ajudava a limpar coisa alguma. O pelo da cor de um mingau de aveia, grosso e frio. A gata desceu da cama num salto e ficou encarando um dos muitos buracos na parede.

— Irlina está irada com a chegada deles que são, de fato, os herdeiros do barão. Mais ainda porque era eu que o acompanhava na visita às crianças; ainda que tenham sido poucas nos últimos anos. E Will ainda não pode assumir o baronato. Presta atenção, gata desnaturada. — Ela enfiava a pata no buraco catando algo. — Não acho que ela vá negar a herança deles, mas também não a imagino ignorando uma injustiça contra si. Afinal, esse também é o lar dela num movimento de pena, o barão tirou tudo. Proteger os filhos sacrificando ela. ARG! Nem sabemos se vão aceitar que ela fique aqui.

Aveia sibilou, mas para o animal na toca, aquele era seu território.

— Você aceitaria?

Embora não fosse a mesma temática, a gata puxou pelo rabo o ratinho e o arrastou da toca até sua boca.

Xinguei um bocado. O rato. Não ela. Atrapalhavam meu sono e mordiam. Aveia me protegia dessas pragas. E o sótão se fazia mais confortável, embora ainda frio.

 E o sótão se fazia mais confortável, embora ainda frio

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            "Ratos", xinguei em pensamento.

— Tenho a maior das admirações por milady — falava o homem ranhoso com cara de fuinha hepática. — Mas temos de reconsiderar os termos de nossos negócios agora que há... — enxugou o nariz com um lenço enquanto os olhos iam de mim a Eloise, que tiveram a sorte de encurralar por perto. — Conflitos de interesse, lady Marchell.

           "Propositalmente dubio então". O que faltava a fuinha em queixo, era compensado pelo nariz empinado.

— Prefiro MacGyver — cortei. — E nada que vem antes do "mas" importa, senhor. Não pode suspender as patentes, Carlos. — "Santos. Minha paciência não era santa". Sorri, felina. — Está por acaso, sugerido, tirar de mim a posse dos negócios e títulos de crédito?! Imagino que quem assumir a tutela dos jovens lorde e lady também será o guardião de tudo? — Ergui o dedo. — Não responda Carlos. É o menino de recado, fica embaraçoso quando tenta articular alguma coisa. Pergunte ao seu pai e escreva a resposta para evitar novo constrangimento.

            Ele estava vermelho.

             E "preciso de tempo".

— Irei assumir a guarda dos jovens! — exclamei.

— O quê? — indagaram em uníssono.

          "Agora redescobre a voz, Eloise"?

— Não faremos negócios até termos certeza quem estamos fazendo. As coisas em torno do jovem lorde, ainda estão nebulosas de antemão — balbuciou o homem. — milady.

          Eloise girava as saias nos dedos, apertando os finos lábios. 

Noites de AlabastroWhere stories live. Discover now