3 • | ever since I was a child

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A viagem até Londres é turbulenta. Durante o caminho somos pegos por um temporal e o maquinista resolve parar e nos fazer esperar numa das estações em algum vilarejo não muito distante de Holmes Chapel. Eu nem sequer pisco enquanto estamos todos sentados debaixo da pequena cobertura com a fúria dos deuses sob nossas cabeças, então, assim que estamos de volta ao trem eu praticamente desmaio. Oscilo entre acordar e dormir com os fracos raios de sol que batem em meu rosto, me incomodando. Começo a deslizar pelo banco até estar todo encolhido, usando minha mala como travesseiro e um casaco grosso como cobertor.

— Menino, ei, menino. — Sinto alguém chacoalhar meu ombro e resmungo contrariado, virando para o outro lado — Menino, acorde. — A pessoa insiste, me balançando com mais força.

— Que é? — Rosno ainda com a cabeça debaixo do casaco e os olhos fechados.

— Se o seu destino for Londres, sugiro que saia agora. O trem já vai fazer o caminho de volta.

Levanto num átimo, encontrando uma senhora rechonchuda de cabelos esbranquiçados fazendo crochê.

— Deus, eu dormi demais. — Concluo ao perceber que de fato estou na estação de Londres. Recolho minhas coisas, que não são muitas e lhe estendo a mão — Obrigado, senhora, salvou a minha vida.

Ela sorri pequeno, aceitando minha mão e apertando.

— Não por isso, meu jovem e se me permite sugiro que dê um jeito nesse cabelo. — Indica o que eu imagino ser o ninho de vespas acima da minha cabeça.

— Eu irei.

Assim eu parto do trem, passando pelo amontoado de pessoas na gigantesca estação. Eles andam de um lado para o outro e imagino que apenas aqui há mais pessoas do que em toda a Holmes Chapel. Consigo um táxi logo na saída e entrego o endereço que Charlotte havia me passado, nós conversamos uma única vez durante um telefonema. Coisa rápida, mas ela me pareceu uma boa pessoa. Encosto a cabeça no banco e quando dou por mim o motorista está tentando me acordar, na última semana eu tenho estado terrivelmente sonolento. Poderia ser efeito da gravidez, talvez.

Pego minha mala no bagageiro e acredito que ambos perdemos a fala ao avistar a grande casa vitoriana, com no mínimo três andares e um jardim imenso com árvores altas e frutíferas por detrás de imponentes portões negros de ferro. Um rapaz simpático de olhos cor de avelã libera a minha entrada e me acompanha pelo extenso caminho, seu nome é Liam Payne e quase lhe dou um beijo quando ele se oferece para levar minhas malas já que eu não aguento nem o meu peso, imagine um extra.

— Então, Harold...

— Não, é apenas Harry, senhor. — Peço lhe dando um sorriso, animado até demais, mas não é como se eu pudesse evitar a minha empolgação quando estou próximo de um homem atraente.

Ele também sorri, apertando os olhinhos e é tão ridiculamente fofo que fico tentado a arrastá-lo para trás de uma das moitas.

— Certo, Harry e por favor não me chame de senhor, me faz sentir um velho. — Pediu com gentileza, o vento soprando seu topete castanho para o lado e o fazendo cair por sua testa. O terno preto, bem cortado e ajustado ao seu corpo não me deixa ver nada do que eu quero, mas imagino o quão forte e firme ele deve ser por baixo de todo aquele pano — Engraçado que você parece um garotinho, tem mesmo vinte anos?

Não, eu menti e falsifiquei alguns documentos para poder viajar sem meus pais e ter um emprego que tinha como exigência ser maior de idade. Mas não precisava dizer isso a ele.

— Não envelhecer é uma coisa boa. — Digo, dando de ombros — Então, Liam, trabalha aqui há muito tempo?

— Oh, sim. Fui contratado há treze anos quando o Sr. Tomlinson perdeu a visão. Ele não poderia mais fazer muitas coisas que gostava, como dirigir, cavalgar, etc... Além disso, naquela época ele também não andava, nem falava. Foi um milagre ele ter recuperado os movimentos e a fala, esperamos ansiosamente que ele voltasse a ver também. O que não aconteceu até hoje. Bem, o Sr. Tomlinson se vira muito bem sozinho, mas ele ainda é cego e o nosso dever é ajudar naquilo que for preciso.

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