10 • | everywhere we go, we're lookin' for the sun

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O vento soprava do lado de fora, ecoando pelas frestas das janelas. Juntamente com o ronco suave do motor formando uma harmonia perfeita para me manter no país dos sonhos, onde eu me encontrava todas as manhãs quando me arrastava para fora da cama, entrava em meu uniforme e jogava meu corpo mole e sonolento no banco traseiro do carro. Liam não se importava, ele tinha uma voz bonita e cantarolava o caminho todo, só agravando o meu sério caso de sono infinito e hoje não era diferente. Estávamos em uma tediosa e feia manhã de segunda feira, onde eu estava confortavelmente encolhido no banco usando a mochila como travesseiro até que uma freada brusca me joga para frente, não o suficiente para machucar, mas para me fazer bater a testa no encosto do banco do motorista.

- Harry, você está bem? - Liam dobra o pescoço para poder me ver, os olhos grandes e alarmados.

- Sim. O que houve? - Pergunto esfregando a testa um pouco dolorida e espreitando os olhos pela janela para ver o que está acontecendo. Liam faz o mesmo.

Há um aglomerado de pessoas, os carros ao nosso lado, atrás e na frente também estão estacionados e até os motoristas estão saindo para ver o que se passa. O mais esperado é que seja um acidente, mas as pessoas não parecem preocupadas ou tentando procurar por ajuda, pelo contrário, riem e alguns portam máquinas fotográficas. Um carro de reportagem estaciona atrás de nós e tudo é estranho demais.

- Eu vou fazer um desvio. - Payne anuncia, buzinando e espantando as pessoas, prestes a mudar a rota, quando um grito chama nossa atenção.

- Não! Por favor, é só uma criança! - Uma voz desesperada berra no centro da multidão.

- Não ouse chamar essa cria de satanás de criança! - Diz uma voz mais madura e severa. A multidão começa a gritar em uníssono "queima" e eu sei exatamente do que se trata. Antes que eu mesmo possa me impedir, estou abrindo a porta e correndo entre o aglomerado de corpos, me espremendo entre o espaço escasso para chegar até o meio. Ouço os gritos de Liam por mim, mas nada pode me impedir.

Em Holmes Chapel haviam castigos e execuções públicas, organizadas principalmente pelas famílias em conjunto com as igrejas. Por sorte haviam muitos padres que eram veemente contra esse tipo de prática e se recusavam a participar, mas haviam outros que não partilhavam da ideia e eram verdadeiros monstros, juntamente com outros lideres religiosos que acreditavam fazer o certo. Meus pais jamais deixaram que eu ou Gemma presenciassemos um, pelo bem ou pelo mal, eles sempre quiseram nos proteger e neste momento eu me lamento por não ter levado em consideração as palavras de minha mãe.

"Sempre que houver um episódio desses dobre a esquina e vá para o mais longe possível. Se houver gritos, tape os ouvidos, se houver imagens, feche os olhos, mas nunca, nunca em hipótese alguma chegue perto de uma coisa como aquela, Harry. Você jamais irá se esquecer."

Na época eu acreditava ser exagero, mas adivinhem só, não era. Havia um homem, deveria ter vinte e poucos anos, pele morena, cabelos escuros e um rosto bonito e sereno, ele tinha uma corda no pescoço e estava suspenso no ar por um poste. Seu corpo coberto de sangue e cortes profundos, um destes tão grandes que seus intestinos estavam para fora. Coloquei a mão em frente a boca para evitar vomitar ali mesmo e em seu rosto bonito, gravado nas bochechas as palavras que as pessoas tanto adoravam usar: bichinha na esquerda e viado na direita. Cortes tão profundos que expunham os ossos da mandíbula.

E então eu vi o dono dos gritos, era um garoto de cabelos ruivos que me fazia lembrar de Ed, mas ele não estava sorridente ou de bem com a vida como meu amigo sempre estava. Seu rosto estava pálido e abaixo dos olhos marcados por grosseiros anéis roxos, as roupas rasgadas e os braços em carne viva por uma série de arranhões e até queimaduras, mas o que chamava mais atenção era a sua barriga, maior do que a minha e a forma como a qual ele andava, parecendo sentir dor. Por um instante pensei que ele estivesse grávido, mas ao encontrar um padre com um pequeno embrulho nos braços descobri que ele tinha acabado de dar a luz.

PERFUMEWhere stories live. Discover now