MPB

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Eu lembro da tua voz toda vez que eu pego essas fitas. E quando eu finalmente coloco uma delas para tocar no meu som antigão e enorme, a voz do Cazuza rouca e rasgada enche a casa e eu lembro de ti. Lembro dos nossos passeios pelo centro, das risadas, dos toques e dos chamegos.

Uma vez, quando estávamos deitados na cama, você virou um LP do Barão para lá e pra cá nas mãos e eu queria dormir, mas você não me deixou descansar. O colchão ficou frio, porque você só olhava para aquele disco como se fosse a tua Bíblia pessoal. E era.

As fitas agora estão espalhadas em volta de mim, algumas da Rita Lee, Beatles, Legião Urbana e Raul Seixas. A poeira gruda nos meus dedos cada vez que insisto em pegar uma delas. Quero desesperadamente ouvir a tua voz enquanto ouço a voz deles, dos teus ídolos.

Durmo e acordo pensando no dia em que vou te reencontrar. As músicas de uma era da música brasileira há muito tempo morta embalam meus pensamentos e me carregam inconscientemente para aqueles dias de verão, quando tudo era bom. Quando o teu sotaque carioca fazia cócegas em meu ouvido e arrepiava os pelos dos meus braços. Quando o teu toque quente fazia meu corpo inteiro transpirar febrilmente. Você tinha mãos ásperas demais para alguém com um toque tão suave.

Nesse piso frio, gelado, foi onde muitos goles de vinho foram tomados enquanto assistimos a um filme no Corujão, comendo pipoca e embrulhados em cobertores grossos. Eu lembro de tanta coisa que às vezes prefiro não lembrar.

E o que dizer dessa doença maldita? Ela te levou, levou Caju e talvez um dia ainda me leve. Metade do mundo já morreu, quanto mais vai demorar para se importarem conosco? Ela levou o teu riso, os teus olhos castanhos, teu cabelo cacheado e teu sorriso frouxo de moleque.

Nunca pensei que fosse me tornar tão sentimental, mas fazer o quê se o mundo nos obriga a sofrer? A gente dança conforme pode, planeja enquanto dá e vive com medo.

Toda vez que toco essa poeira o meu nariz coça e eu espirro. Coloco a nossa música para tocar, a lembrança daqueles tempos de Barão Vermelho, de 1985. Posso enxergar os fuscas na rua, as calças boca de sino, os cigarros nas bocas dos jovens, as drogas por baixo dos panos. Era tudo tão normal, mas ao mesmo tempo tão doentio. Como não percebemos que íamos morrer?

A vida é uma morte eterna. 

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