Perda

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Eu observava a cena com um sentimento de nostalgia. Ou de perda, não sabia exatamente como definir. A um canto, Rafael tentava ensinar a Vicky como jogar um estranho jogo de cartas que ele mesmo inventara. Vicky não aparentava estar prestando muita atenção ao jogo, parecia estar mais entretida em acompanhar cada movimento do Rafa com os olhos. Eu tinha contado em duas, as vezes que ela errou a jujuba da boca. Não muito distante, eu tentava prestar atenção ao filme que passava na tevê, mas era quase impossível quando eu podia simplesmente contar quanta vezes Miguel ria de algo que eu não vira no filme, ou somente sentir quando seu braço roçava o meu, sem querer. Ace desistira algum tempo de me chamar atenção com sua bolinha de morder.

E tudo isso me dava uma pontada no coração ao pensar que não tinha nem duas semanas para aproveitar com aqueles dois. Eu tinha vontade de trancá-los no sótão só para mim, como tinha visto em um filme, ou abraçá-los e não soltar nunca mais.

Apesar de saber da iminência da sua ida, eu não tinha coragem de falar para Miguel o que sentia. Sabia que não era mútuo o sentimento, mas eu não podia simplesmente deixar de lado. Se bem que tinha grandes chances de ouvir um riso sarcástico. Ou não, já que Miguel nunca faria aquilo. Não o Miguel pelo qual eu tinha me apaixonado.

A atmosfera em casa estava mais leve, enfim. Alessandra naquele mesmo dia chegara junto com meu pai e os dois não pareciam ter tido uma briga durante o trajeto, o que era um bom sinal. Eles também estavam com a aparência mais alegre, sorriam mais. Ou talvez eu estivesse tanto desejando aquilo que dera para imaginar coisas. No dia seguinte, os dois estavam sentados á mesa. Constatei, com satisfação, que Alessandra não tinha saído para o trabalho absurdamente cedo, como fazia em dias de sábado. Vi também que meu pai não havia ido caminhar; talvez tivesse aproveitado o tempo livre para ficar com Alessandra, desejei intimamente.

Se por um lado eu estava feliz com a possível trégua entre meus pais, também estava frustrada com a ida de Miguel e Vicky ao banco. Como sempre, quando não iam á algum lugar, eles tiraram a manhã toda para ficarem trancados no quarto. Meu pai comentou que achava eles extremamente estudiosos. Mas eu sabia que o estudo não era sobre nada relacionado à escola; o Banco V.A exigia tempo, como dissera Vicky.

Aproveitei o tempo que não tinha nada para fazer durante a tarde e fui pôr a matéria do colégio em dia. Depois de mais de duas horas de trigonometria, o telefone tocou e eu tive que descer para atendê-lo. Do outro lado da linha, uma mulher de voz desconhecida falou.

- Oi, é da casa de Igor Rodrigues?

- É sim. - respondi. - mas ele não está.

- Ah, sim, na verdade eu gostaria de falar com Miguel. Você poderia chamá-lo, por favor?

- Só um instante. - tapei o telefone com uma das mãos e chamei Miguel que desceu. Lhe passei o telefone no momento em que a campainha tocava.

- Clóvis? - me surpreendi com a figura parada a soleira da porta.

- Como vai, menina Eliza? - disse com um sorriso calmo.

- Ótima. - respondi devolvendo seu sorriso.

- Clóvis! - exclamou Vicky que tinha acabado de aparecer à sala, com sua voz fina. - achei que só íamos mais tarde.

- Houve um pequeno contratempo, eu vou ter que buscar sua mãe hoje à noite no aeroporto. Eu lhes deixo em casa e depois vou buscá-la. - explicou.

- Hoje? - ela estranhou. - Ela só iria voltar próxima semana...

- Veio tratar de um assunto urgente. - respondeu simplesmente. Ela fez uma cara preocupada, enquanto o irmão se postava ao seu lado.

O irmão de minha irmãWhere stories live. Discover now