Último dia

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Faltavam dois dias para o fim das aulas. E dois dias para Victoria ir embora, deixando as lembranças daqueles meses que foram dos melhores de minha vida. Ela já estava arrumando as coisas e eu percebi em meu pai, Igor, uma leve consternação. Ele se apegou à filha que há alguns meses nem sabia que existia. E ela a ele.

Era mais estranho ainda, em meio a todo ar de nostalgia que emanava a casa, ver as pessoas do colégio animadas com o fim de ano. Os professores estavam mais cordiais, os alunos ainda mais dispersos. As aulas, em geral eram para entrega de trabalhos, dinâmicas, "confraternizações" e outras atividades que eu não fazia o mínimo de esforço para demonstrar prazer. Foi em um destes dias que, estando eu brincando distraidamente com minha pulseirinha, fui chamada pelo professor de geografia em sua mesa.

- Eliza. - ele chamou e me dei conta de que ele entregava os trabalhos aos alunos agitados na sala. Eu me levantei e fui até sua mesa.

- Ótimo trabalho, Eliza. Como conseguiu tanta precisão nas informações? - ele perguntou me concedendo um sorriso.

- Pesquisas - disse simplesmente.

- Fernando... - ele continuou sua chamada. Sentei e olhei meu trabalho com melancolia onde estava escrito "Banco Agostini". No cabeçalho estava a nota máxima que o professor me conferira. Atirei o trabalho na mochila de qualquer jeito. A última coisa que eu precisava era de mais lembranças que eu tentava reprimir.


****

Quando eu e Vicky enfim conseguimos empurrar tudo o que era preciso dentro de sua mala demasiadamente pequena, me deixei cair em sua cama cansada com o esforço. Seu quarto já estava sem vida, como antes dela chegar. Não se via mais espelhos de bolso em todo canto, nem seus sacos coloridos de jujuba. A cama estava arrumada, o guarda-roupa vazio. Me deu vontade de chorar antecipadamente.

- Eliza, veja se tem alguma coisa nessas gavetas. - ela me pediu. Fiz o que ela pediu e para minha surpresa, na ultima gaveta que verifiquei, estava um caderno preto, o mesmo que eu sempre via nas mãos de Miguel.

- Achou alguma coisa? - perguntou Vicky.

- Só esse lápis - disfarcei fechando a gaveta e, quando ela estava distraída organizando sua maleta, eu tornei a abri-la. Ignorei meus escrúpulos e escondi o caderno atrás de mim.

- Pronto... Tudo devidamente guardado. Agora vamos descer porque estou faminta. - Então ela desceu; eu dei uma desculpa qualquer e virei para meu quarto. Sentei na cama abrindo o caderno com cuidado.

Quase todas as páginas do caderno estavam preenchidas, com uma letra meio desleixada, mas bonita. Tirei o foco da letra de Miguel e fui para o início a fim de ler suas histórias. Sabia que o que eu estava fazendo era errado, mas não estava me importando muito.

Havia alguns contos, histórias inacabadas e somente no meio reconheci a história que Miguel contara que estava escrevendo. Eu fiquei impressionada com a história dele: era instigante, bem escrita, fantástica. Claro, que, por ser rascunho havia várias observações, riscos, reescritas e outras coisas mais. Eu estava tão entretida na história que, ao folhear as páginas, me surpreendi com meu nome nelas. "- É Eliza a garota que está procurando. Conheço-a, é minha irmã.". "E pela última vez naquele dia, ele pensou em Eliza. Ela veio em sua direção com seus olhos castanho-escuros, os cabelos levemente ondulados. E se foi tão rápido que não percebeu como." E diversas vezes eu me deparei com a personagem de Miguel que levava o meu nome. Meu coração deu saltos, apesar de pensar ser uma grande coincidência a paixão de Robson ser justamente a Eliza.

Naquele momento senti uma aversão a mim mesma que nunca tinha experimentado antes. Guardei o caderno de Miguel na gaveta e me controlei o máximo que pude para não chorar. Eu e minha imbecilidade tínhamos afastado o Miguel. Eu e minha estupidez. E como para me lembrar mais uma vez da besteira que eu tinha feito, a pulseirinha prateada tilintou em meu pulso, me fazendo querer arrancá-la. Mas ela, por maior que fosse meu esforço, não queria sair do meu braço, como se estivesse zombando de mim.

O irmão de minha irmãOnde histórias criam vida. Descubra agora