Capítulo 17

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Um, dois, três, quatro...
Luiza tentava acertar os passos, mas sua cabeça não estava em sincronia com o corpo. Era dia de aula de dança , e depois de muita insistência de Augusto , a garota decidiu ir. Uma tentativa falha para relaxar a cabeça.
Dois dias haviam passado-se desde a fuga na madrugada de Valentina , e a única coisa que saiu nos jornais fora que Anny Jones havia se afastado do caso por motivos pessoais, mas nada alarmante. Valentina continuava desparecida, e levando em conta que nenhum assassinato ocorreu ultimamente, levantavam hipóteses que a garota havia saído do país sem ser vista, ou estivesse morta. Mal sabiam eles da verdade, pensava a morena, enquanto esperava seu pai ir buscá-la.

Balançava as pernas no banco de concreto preso ao chão em frente à academia de dança, quando notou um carro preto com vidros fumê passar lentamente do outro lado da pista.
O vidro abaixou alguns centímetros, e Luiza não viu nada dentro do veículo, mas teve a sensação de ser observada. Um arrepio cortou sua espinha e antes que pudesse fazer algo, o vidro subiu novamente, e o carro acelerou, dobrando a esquina à sua esquerda.
— Filha ! — Augusto buzinou, tirando a morena do seu estado catatônico de segundos atrás, notando que o automóvel do homem já estava parado à sua frente.
Ela saiu em disparada em direção ao carro do pai e entrou, ainda sentindo uma sensação indesejada.
— Está tudo bem Lu? Como foi a aula? — O homem perguntou enquanto manobrava o carro, indo para casa.
— Um desatre, papai. — Suspirou pesadamente. — Mas consegui me distrair um pouco. — Completou apertando o colar de crucifixo com a mão direita, uma mania que havia adquirido sempre que pensava em Valentina , coisa que acontecia a cada cinco minutos.
— Vai ficar tudo bem, filha . — Augusto afagou os cabelos escuros da morena tentando demostrar conforto.
Luiza apenas assentiu. Continuou pensando no momento de minutos atrás, até chegar em casa, e antes que pudesse saltar para fora do carro, seu pai segurou em sua mão.
— Preciso ir até a clínica . Pode ficar sozinha por algumas horas? — Perguntou receoso.
— Papai, eu vou entrar agora, tomar um banho e assistir um filme .Pode ir. — Sorriu fracamente.
— Me ligue se precisar de algo. — Suspirou e beijou a testa da filha, que apenas assentiu.
Luiza saiu do carro, observando seu pai distanciar-se e dobrar a rua. Não tinha ninguém para conversar, e embora fosse um livro aberto para os pais, decidiu omitir o acontecido para não preocupá-los.
Suspirou audivelmente quando avistou Juliana e Camila sentadas nos degraus da varanda de mãos dadas, enquanto a latina segurava em seu colo uma caixa com um embrulho colorido demais.
Mal teve tempo de dizer nada, quando sentiu dois braços longos rodearem sua cintura com força e tirá-la do chão. Não pôde evitar o gritinho de susto e a pequena risada espontânea que teve quando a loirinha de olhos azuis gritou um ''Senhora duende'' alto demais.
Foi colocada no chão com delicadeza, e sorriu para Camila , enquanto via Juliana se aproximar.
— Minha bunda está doendo de tanto ficar esperando alguém chegar aqui. — Reclamou com uma carranca.
— Olá também Juliana . Embora o termo certo seja traseiro ou nádegas, fico feliz em ver vocês aqui. — Sorriu no final e a latina apenas revirou os olhos.
— Campos , eu sinto uma enorme vontade de chutar seu traseiro ou nádegas quando você fala essas coisas. — Retrucou com seu tom sarcástico.
— Juls! — Camila repreendeu, dando um tapa no braço da namorada, que encolheu-se instantaneamente. — Não fale assim com a senhora duende, ela tem seus direitos assim como nós. — Repreendeu da melhor forma que pôde. — Onde está a Val? Viemos vê-la e trazer nosso presente. — Perguntou batendo palminhas animadas.
— Presente? — Luiza perguntou confusa.
— Minha mãe, tia Cassy e tia Catarina sempre foram amigas, e nos conhecemos desde que nos entendemos por gente, você sabe, já contamos. — A morena assentiu. — Hoje fazem quinze anos que nos conhecemos e sempre que um ano passava, fazíamos uma festa apenas para nós e trocávamos presentes que lembrassem o passado. — Completou Juliana sorrindo nostálgica. — Enfim, onde está a garota foragida?

O sorriso de Luiza foi morrendo aos poucos, e a expressão triste voltou à sua face.
— Vamos entrar. — Falou tentando parecer firme, enquanto subia os poucos degraus, abrindo a porta de entrada, e passando pela mesma com as duas em seu encalço.
Juliana e Camila sentaram no sofá de dois lugares, enquanto Luiza sentou no maior. A morena contou tudo. Desde o baú misterioso, até a fuga da outra garota , e o acontecimento de mais cedo, omitindo a parte em que perderam a virgindade juntas, obviamente.
O semblante animado de Camila deu lugar às lágrimas e a loirinha já chorava copiosamente. A fragilidade dela era surpreedente, mas nada tiraria a razão do choro. Eram anos de amizade, e se Luiza já chorava toda noite e parte do dia lembrando de Valentina conhecendo-a em tão pouco tempo, a dor de Camila também era imensurável.
A morena também chorava, e foi até loira, sentando do seu lado direito e a abraçando, enquanto Juliana também fazia o mesmo do lado esquerdo. A latina lutava contra as lágrimas, mas já era visível o rosto banhado pelo choro.
— Aquela vadia. Sempre arriscando o pescoço. — Juliana falou com a voz cortada.
— Juls ...Lembra quando o meu gato subiu naquela árvore e não quis mais descer? — Perguntou baixinho, enquanto soluçava.
— Aquela idiota deu uma de super-homem e conseguiu pegá-lo, mas o tronco partiu e ela caiu, quebrando a perna. — Respondeu enquanto soltava um riso entre o choro.
— Ela riu enquanto estava estirada no chão, e pensamos que ela tinha batido a cabeça, mas ela apenas respondeu que de nada valeria à pena se tivesse caído em cima dele e ele morresse esmagado. — Completou a loirinha rindo mais alto e chorando ao mesmo tempo.
Luiza também começou uma sessão de risos, e as três continuaram abraçadas, enquanto riam e choravam juntas.
...
Valentina andava de um lado para o outro pelo quarto espaçoso. O par de tênis fazia a madeira ranger sempre que passava por uma parte do cômodo. Tentou abrir a porta novamente e a mesma continuava trancada. Saía apenas para tomar banho com a supervisão de Marina .
Dois dias. Sabia que estava ali há dois dias. Sabia quando o sol se punha e quando ele nascia. E o mesmo processo havia se repetido duas vezes.
Sentou na cama em posição de índio e fechou os olhos procurando paciência para não enlouquecer naquele quarto.
A porta abriu-se no mesmo instante e Marina entrou. Quando viu Valentina , um sorriso sincero abriu em seu rosto. Se aproximou lentamente e sentou-se na beirada da cama, levando as mãos até os cabelos da filha.
Filha!
Sua filha!
Dezesseis anos tendo que chamá-la de irmã, e agora poderia chamá-la finalmente de filha. Em sua cabeça todos os seus atos valeram à pena quando olhava para o rosto tão parecido com o seu.
Os olhos da menor se abriram, e os verdes encontraram os de Marina . Valentina não a repeliu. Não iria deixar a mulher com raiva. Não era aconselhável estando apenas as duas sozinhas.
— Eu vi a Luiza hoje. — Marina sussurrou ainda afagando os cabelos de Valentina .
— O...o que? Você viu a Luiza ? — Perguntou com os olhos arregalados e Marina assentiu. — Você a pegou? Marina você prometeu. O QUE VOCÊ FEZ COM ELA? — Perguntou gritando e afastou a mão da mulher de seus cabelos.
— Val, acalme-se. — Ordenou firme. — Não fiz nada com ela . Estava passando de carro e a vi em frente à academia de dança. — Respondeu com a voz grave, e Valentina relaxou, soltando um suspiro longo.
— Como ela estava? — Perguntou curiosa.
— Com a aparência cansada. — Respondeu simples. — Ela estava usando o seu colar de crucifixo.
— Eu dei a ela. Sei que não vou mais vê-la e quero que ela guarde uma lembrança minha com ela. — Respondeu virando o rosto, tentando controlar as lágrimas.
— Ei! — Marina pousou a mão no queixo fino da menor e virou o rosto em sua direção. — O amor nos destrói. Nos deixa enfraquecidos. Não se destrua Val. — A mão alva agora fazia pequenos carinhos nas maçãs do rosto de menor.
— Eu a amo, e ela me ama. Ela me faz feliz. — Retrucou já deixando as lágrimas rolarem pelo rosto mais pálido.
— Fazia, Val . Agora quem fará você feliz sou eu. — Marina puxou a menor para o seu colo, e Valentina não lutou contra, não havia escolha, apenas descansou a cabeça no colo de Marina e fechou os olhos.
— Seremos eu e você, meu amor. Para sempre. Eu já disse isso. — Sussurrou perto do ouvido da garota .
Valentina apenas fechou os olhos. Sua Marina estava ali. A pessoa que lhe aconselhava e brincava incessavelmente por horas com suas bonecas até a pequena Valentina cansar. A garota doce que olhava para a menininha de olhos verdes com um amor que Catarina jamais olhou. A garota que virou uma mulher e que nunca abandonou Valentina , mesmo tendo que ir para Nova York . A mulher que era sua mãe biológica.
O calor das mãos de Marina ainda eram os mesmos. Amorosos, sinceros, e Valentina desejou que essa mulher não fosse uma assassina com problemas mentais. Desejou ver Catarina e Marcos para saber o porquê de terem sido tão cruéis com Marina . Desejou abraçar Juliana e Camila . Desejou ver o sorriso de Luiza , o toque de Luiza , os monólogos de Luiza.
A sua Luiza.
Desejou Luiza até pegar no sono.
...
O sol já estava dando adeus e Luiza , Juliana e Camila estavam no porão, mais precisamente, no quartinho de Valentina.
A latina estava jogada na cama, abraçava o travesseiro da melhor amiga, enquanto a morena e a loirinha folheavam o álbum de fotos da família Albuquerque.
— Olha Juls! — Camila exclamou, pegando o álbum e virando na direção da namorada. — Lembra quando entramos para as escoteiras? Ganhávamos sempre a prova de procurar objetos na floresta. — Perguntou sorrindo animada.
A latina pegou o álbum das mãos de Camila e analisou a foto. As três vestiam seus uniformes no auge dos nove anos e a faixas de medalhas estavam lindamente preenchidas, enquanto Juliana e Valentina sorriam orgulhosamente, e Camila tinha as mãos juntas, provavelmente batia palminhas no momento da captura da fotografia.
— É ISSO! — Juliana pulou da cama de supetão, assustando Luiza e Camila . — Vamos procurar ela.
— Espera, o quê? — Luiza perguntou se recuperando do susto.
— Exatamente o que você entendeu, Campos . A Val está desaparecida há dois dias, e ninguém vai se empenhar em achá-la porque simplesmente acham que ela é uma assassina psicopata. É nosso dever ir atrás dela. — Respondeu com determinação, enquanto Camila assentia concentrada nas palavras da namorada.
— Eu concordo com a Juls . — A loirinha levantou em um salto.
— Mas não temos um plano, e nem sabemos onde ela está. — Luiza retrucou enquanto levantava e passava as mãos nas calças.
— Você disse que aquele carro parou para observar você. Quem quer que estivesse lá dentro, talvez conhecia você e estava te observando porque sabia que a Val estava escondida aqui, talvez seja a pessoa que mandou esses objetos. — Apontou para o baú e o colar no pescoço da morena.

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