Epílogo

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Valentina olhou novamente para a enorme construção de tijolos escuros e respirou fundo. Desviou os olhos verdes para o campo de grama bem aparada e para a placa fixa ao portão que não via há dez anos.
Dirigiu até a entrada do enorme prédio e estacionou cuidadosamente. Passou as mãos nos cabelos e desamassou a blusa social preta de seda. Vestiu o blazer da mesma cor e ajustou-o ao corpo esbelto.

Ao entrar naquele local pôde ver que nada mudou, exceto o número de pacientes, que diminuiu significativamente.
Antes de chegar á recepção, foi parada pelo médico responsável.
— Senhora Campos Albuquerque ? — O homem de cabelos ruivos e rosto alvo sorriu gentilmente, enquanto aproximava-se e estendia a mão.
A mulher deu um sorriso simpático.
— Doutor Wilson, certo? — Apertou a mão firmemente.
— Correto. — Sorriu mais uma vez. — Sei que não é um momento adequado, mas vi o jornal de ontem e gostaria de parabenlizá-la pelo caso ganho. A senhora é a melhor advogada desse país. — Declarou.
— Obrigada. — Sorriu mais largamente. — Eu fico grata em saber que ajudo essas pessoas que são acusadas injustamente. — Completou com um sorriso pequeno. — Mas então? Onde ela está? — Perguntou apreensiva.
— Ela está no quarto que a senhora pediu que providenciassem. — Explicou olhando em sua prancheta. — Venha comigo.

O corredor era silencioso, exceto pelos saltos da bota de cano curto de Valentina ecoando pelo local. O doutor Wilson parou em frente a porta e olhou para a mulher mais baixa.
— Eu não sei por quanto tempo ela vai respirar. — Pôs a mão no ombro da dela. — Converse com ela e tente ser o mais simpática. O câncer já atingiu quase todo o pulmão. Ela morrerá sem dor. Eu garanto.
Valentina apenas assentiu sentindo os olhos marejados e observou o doutor afastar-se e caminhar pelo corredor. Respirou fundo e entrou vagarosamente no quarto onde Marina estava.
A mulher estava deitada. O cateter enviava oxigênio aos pulmões debilitados e estava ligada ao monitor cardíaco.
A mais nova se aproximou e sentou-se na beirada da cama, pegando a mão alva nas suas. Um lenço estava envolto em sua cabeça, mas os olhos verdes continuavam ali, assim como a beleza de uma mulher de quase quarenta anos.
— Val. — A voz era rouca e quase um sussurro. — Você veio. — Sorriu minimamente.
— Eu venho ver você há cinco anos. — Sorriu um pouco enquanto sentia as lágrimas caírem pelo rosto delicado. — Eu não deixaria de vir hoje.
— Oh, Val, não chore. — A mais velha levou a outra mão até o rosto da mais nova e limpou cuidadosamente cada lágrima. — Como Luiza está? — Perguntou calmamente.
— Ela está bem. Luiza está se preparando para mais uma apresentação deslumbrante. — Respondeu gentil.
— Doutor Wilson sempre mostrou-me as notícias que saíam nos jornais. Ele admira você e disse que é louco para ver uma das apresentações da Luiza . — Completou sorrindo.
— Léo e Alicia sempre dormem quando vão assistir comigo. — Soltou uma risada.
— Deus. Eu sou avó aos trinta e nove anos e ainda não acredito. — Deu um riso fraco. — Como eles estão? — Perguntou interessada.
— Aqui. — A mais nova pegou o celular do bolso da calça justa e virou-o na direção de Marina.
— Eles estão tão lindos, Val. — Declarou emocionada. — Léo é a sua cópia e Alicia é a da Luiza . — Completou com os olhos marejados.
— Eu os amo muito. — Guardou o celular no bolso novamente.
— Val me perdoe por tudo. — A mais velha começou de repente, segurando a mão da mais nova. — Sei que não há perdão para o que eu fiz. Mas eu me tratei aqui. Doutor Wilson ajudou-me nesses anos e eu reconheço e me odeio pelos meus atos e crimes. Peça perdão para a Luiza por mim. — Marina chorava copiosamente e os olhos verdes que anos atrás eram cheios de irônia e frieza, agoram eram arrependidos e tristes. — Me perdoe pela dor que causei. — Fechou os olhos respirando com dificuldade.

— Eu perdoo você. — Alisou a mão de Marina com o polegar. — Eu nunca vou entender e aceitar o que você fez. Mas eu perdoo. O ser humano é feito para perdoar, mesmo que o erro do próximo seja terrível, temos que perdoar para nos libertar e libertar a outra pessoa de um peso maior ainda. — Valentina chorava quase em sincronia com Marina . — Eu perdoo você. — A mais nova beijou a testa da outra . — Mamãe. — Completou soluçando.
— Eu amo você, minha filha. — Marina mantinha os olhos fechados. — Essa é a única certeza que tive em toda a minha vida. — A mais velha levou a mão lentamente até o rosto de Valentina e alisou carinhosamente. — Amo a Luiza por fazer você feliz. Amo meus netos. — Sorriu com dificuldade e abriu os olhos. — Minha Val . — Completou num sussurro e abaixou a mão gradativamente enquanto os olhos verdes iam perdendo a vida e fechando-se lentamente.
O barulho contínuo do monitor cardíaco de Marina tornou-se constante e Valentina chorou com força e sofregamente enquanto doutor Wilson entrava no quarto devagar.
— O senhor tinha razão. — A mais nova declarou tentando acalmar o choro. — Ela morreu sem dor. — Segurava as mãos de Marina entre as suas.
— Ela será enterrada? — O doutor perguntou enquanto entregava-lhe um lenço branco.
— Obrigada. — Agradeceu, pegando-o das mãos do doutor. — Não. Ela será cremada. Não quero ninguém escrevendo coisas ofensivas em seu túmulo. A cidade nunca esquecerá dela. — Respondeu enquanto enxugava as lágrimas. — Já providenciei tudo desde a sua ligação semana passada e já está tudo pronto. — Completou respirando fundo.
— Há algo que posso fazer? — Perguntou atencioso.
Valentina assentiu e retirou um cartão do bolso do blazer.
— Ligue para essa empresa e avise-os que Marina Albuquerque morreu. Eles virão pegá-la e ela será cremada amanhã pela manhã. Se o senhor quiser ir será bem-vindo. — Explicou calmamente.
— Eu irei. Obrigado senhora Campos Albuquerque . — Guardou o cartão no bolso do jaleco.
— Apenas Valentina . — Sorriu agradecida enquanto virava novamente para a mulher sem vida deitada na cama confortável.
Aproximou-se novamente e beijou-lhe a testa.
— Adeus, mamãe. — Segurava-se para não chorar. — Eu também amo você, independente de tudo. Sabe disso. — Afastou-se e saiu do quarto ao lado do doutor.

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