Capítulo um

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Elena

     Presente

       Não é fácil terminar uma relação, mas algumas vezes é necessário. Steve tem sido um bom namorado, está sempre presente, eu admito que ele tem se esforçado bastante, o problema não é ele, sou eu. Eu é que não dou a devida atenção, não me esforço o suficiente, apenas gosto da nossa intimidade, em algum momento ele iria perceber que merece alguém melhor.
       Juro que eu queria terminar primeiro, mas sou pega de surpresa. Achei que ele não me deixaria ir, que lutaria mais, que ia me convencer a salvar o nosso relacionamento, mas ainda bem que ele é sensato. Sinceramente não estava disposta a me entregar em algo que eu não acredito. Achei que depois desses meses todos juntos, as coisas iriam fluir naturalmente, porém não dá para forçar o nosso coração.
      Até me sinto mal ao olhar para ele nesse momento, a tristeza nos olhos, eu quebrei o seu coração, mais um para acrescentar na lista — não que seja longa —, pelo menos eu os deixo ir quando não tem mais volta.
       — ...sinto que estou sozinho nesse relacionamento. Não quero continuar assim, Elena. — Diz, ele.
       Sou mesmo péssima nisso.
       — E você tem razão. Eu não tive como dizer, mas talvez não seja o momento propício para mim. Estou demasiado focada no trabalho e muitas outras ambições na minha vida agora.
       — Eu entendo. — Desvia seus olhos verdes dos meus. — Espero que possamos ser amigos.
       — Eu também espero o mesmo. — Dou um abraço nele e sinto o seu cheiro que tanto amo. Gostaria de ter dado mais a ele, mas não fui capaz.
      É o que a minha mãe sempre disse, ficar com alguém que não te faz sentir nada é muito complicado, não olhamos para a pessoa como merece, podemos até não nos doar ou fazer um esforço, mesmo que pequeno, por essa pessoa. Não estar entregue, é não estar dentro da relação, não dá certo. Fui muito descuidada e desatenta, e nada cresceu dentro de mim. Steve só não me traiu porque ele é homem de verdade e decidiu conversar comigo.
       — Vou sentir saudades. — Afasta-se para olhar para mim.
       — Eu também, querido. — Digo. Principalmente do jeito que ele me dá prazer.
      Minha nossa, como eu não presto!
      — Se precisar de mim, sabe sempre onde me encontrar. — Beija a minha bochecha com carinho.
      — Está bem.
      Acompanho Steve até a porta, onde ele permanece parado, sem saber se realmente quer ir. Cruzo os dedos para que ele não mude de ideias porque realmente precisamos terminar com isso antes mesmo que alguém se machuque, no caso ele, e também porque tenho outras prioridades na minha vida, por enquanto.
      — Então, adeus.
      — Adeus. — Fecho a porta e respiro aliviada.
      Volto para a cozinha para fazer meu sanduíche já que nem tinha começado quando Steve bateu a porta. Preparei os ingredientes para fazer igualzinho ao que vi na internet, mas agora estou com preguiça e apenas coloco tudo dentro do pão. Minha mãe sempre disse que quando eu morasse sozinha seria uma lástima, ela não mentiu. 90% das vezes não tenho vontade de cozinhar.
       Eu costumava morar na mansão do Evan, até que a minha mãe casou com Lionel. Foi no ano em que fui para a faculdade e eles se mudaram para morar perto do trabalho. Meu padastro tem uma oficina e minha mãe agora tem uma floricultura. Nos tempos livres ela faz roupas de crochê, e eu adoro. Já a incentivei a levar isso para o mundo, mas ela diz que é só um passatempo. Não admite que é talentosa.
       Evan também era minha família. Faz cinquenta e três dias que ele nos deixou e ainda não acostumei com a ideia de não visitá-lo aos finais de semana, de conversar com ele e contar os meus segredos ou ouvir seus conselhos. Ele era muito importante para mim. Não queria que isso tivesse acontecido, mas a vida é assim. Em algum momento ele iria partir.
       Janelle, minha irmã, também o via como uma figura paterna. Ela cresceu com ele e brincava com ele todos os dias. Evan pagou os nossos estudos, a minha faculdade, cuidou de mim, da minha irmã e da minha mãe, sempre esteve ao nosso lado e tornou a nossa vida melhor. Tudo o que sou é graças a ele, eu o amava demais, por isso ainda dói profundamente saber que nunca mais irei ver ele.
     Ele acreditou em mim quando ninguém mais acreditou, ficou ao meu lado quando Christopher me abandonou, se tornou não só no meu melhor amigo, mas também no meu pai. Não tem como superar alguém assim. Quando eu tiver um filho, ele vai se chamar Evan em homenagem ao homem que mais me amou nesse mundo.
      Sento na minha mesa e expulso as lágrimas para longe porque se eu começar a chorar, não vou conseguir parar e amanhã vou trabalhar com os olhos inchados. Onde quer que Evan esteja, está melhor sem o sofrimento e crueldade desse mundo.
      Dou uma mordida no sanduíche e meu telefone toca por cima da mesa. É um número desconhecido, pode ser qualquer coisa importante, então atendo, mastigando a comida.
      — Senhorita Ronalds? — a voz de um homem surge da outra linha.
      — Sim, quem tem o prazer de falar? — respondo com a boca cheia.
      — Schneider, advogado do falecido Evan White.
      Engulo e sento melhor na cadeira. — Em que posso ajudar?
      — Bem, nesse sábado será apresentado o testamento do senhor White e é extremamente importante que a senhorita se faça presente. — Diz. — A leitura será feita na mansão White.
      — Tem mesmo de ser?
      — Tenho feito todas as vontades do de cujus. Imagino que saiba como senhor White gostava que as pessoas seguissem suas regras, as suas orientações.
      — Sim. Eu entendo. — Respiro fundo. — Estarei presente. Muito obrigada.
      — Tenha um bom dia.
      — Igualmente. — Desligo.
      Eu deveria saber que Evan iria deixar alguma coisa para mim. Ele sempre dizia que quando morresse, ia deixar tudo preparado para mim. Nunca soube o que ele realmente quis dizer, talvez vá descobrir nesse sábado. Seja o que for, eu vou guardar e cuidar muito bem.
       Só é pena que terei que ver os White. É que é um mais insuportável que o outro. Não entendo como podem ser da mesma família que o Evan, eles têm sangue podre. Parece que vou ter de fazer esse esforço pelo meu melhor amigo, porque deve ser a sua vontade.
      Termino de comer o sanduíche e vou preparar a minha roupa para trabalhar amanhã. Eu gosto de fazer isso um dia antes porque não sou boa a gerir o tempo logo que acordo, por isso a maior parte das vezes saio de casa de estômago vazio, o que é ruim porque preciso de forças para suportar o Christopher.
      Escolho uma calça branca flare porque amanhã é segunda-feira e às segundas é dia de calça. Escolho também a minha blusa amarela e saltos altos pretos. Preciso fazer algumas compras nesse final de semana, já que não tenho planos nem com Steve e nem com Evan. Talvez vá com as minhas amigas, preciso de um pouco de distração porque essa semana não será facil.
      Penso em conversar com as minhas amigas antes, mas desisto e vou para a cama tentar dormir e não pensar demasiado nos últimos acontecimentos. Eu não quero chorar, porque perdi meu melhor amigo, terminei com Steve e por me sentir sozinha. Amanhã com certeza o dia será melhor.
       Tenho sempre que esperar por dias melhores.

                                         ****

      O Piramide Hotel é um dos melhores de São Francisco, graças a Evan e ao senhor White que nas últimas décadas não excederam esforços para enaltecer esse lugar fabuloso. Evan nos trazia para cá algumas vezes, quando éramos crianças, eu sonhava em trabalhar aqui e hoje eu trabalho na área técnica especialista em gestão hoteleira de restauração e bebidas.
      Gosto de dizer que sou uma das chefes, porque eu ordeno, eu coordeno, controlo e dirijo atividades. Nos últimos dois anos tenho me saído muito bem, até Christopher admite, mesmo que não seja na minha frente ou em voz alta, que eu garanto a qualidade do serviço do hotel, a optimização dos recursos e a maximização da rentabilidade. Sou responsável por tudo na minha área dentro do departamento hoteleiro de alimentos e bebidas — que é só o segundo departamento mais importante de qualquer hotel — e gosto do meu trabalho, mesmo que tenha que olhar para Christopher White todos os santos dias.
      E ele? Bem, ele é só o chefe de todos os chefes. Claro que o imbecil gosta de intimidar todos aqui com o seu posto, mas a mim, ninguém intimida, ainda mais um idiota que nunca subiu num ônibus na sua rica vida, cujo passatempo favorito é ser insuportável.
       Christopher dirige todos os departamentos junto com o seu pai, também está no de gestão e finanças e tem feito um bom trabalho nos últimos anos com a orientação do seu falecido avô e seu pai. Ele realmente é competente, inteligente e responsável, sabe agir e pensar rápido, admiro isso, mas nunca diria isso a ele.
      Guardo as chaves do meu carro na minha Louis Vuitton rosa que comprei com o salário da primeira promoção. Eu não sou rica como os White, mas tenho dinheiro para sustentar meus mimos. Comprei um carro, um apartamento, ajudei na reforma da casa da minha mãe, ajudei na sua floricultura e na oficina do meu padastro, só não paguei a escola da minha irmã porque Evan deixou tudo pago. Ele até guardou para a faculdade dela e só Janelle pode tocar naquele dinheiro.
       Fui promovida há dois anos, foi um dos melhores dias da minha vida, até festejei com minha família e Evan. Mas muita gente obviamente não ficou feliz ao saber disso, melhor dizendo, Christopher, a noiva idiota dele e Martha White, a mãe do Christopher. Conhecer Evan foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.
      Caminho pelo hotel, feliz por ter bebido o meu café e comido algumas torradas de abacate antes de sair de casa. O problema é que a felicidade não dura muito porque assim que entro no elevador, Christopher se apressa, impede que as portas se fecham e entra. É impossível ficar de bom humor com ele por perto. Tenho que respirar o mesmo ar que ele.
      O homem é uma maldição de tão bonito, tenho que admitir. Christopher é alto, mais de um metro e oitenta, todo cheio de músculos, deixando o terno sob medida um pecado no seu corpo. Seus cabelos loiros estão sempre bem penteados, sua barba rala bem cuidada, tem as sobrancelhas muito cheias e olhos azuis intensos. É uma pena que tem apenas beleza.
       E uma beleza e tanto.
       O idiota carrega no botão e espera as portas se fecharem. Sinto o olhar dele em mim enquanto admiro o esmalte prateado nas minhas unhas para não ter que olhar para ele.
       — Colocou demasiado perfume. — Ele tem uma voz grave, sexy e que acaba com qualquer um. — Algumas pessoas podem passar mal.
       E começou!
       — Incomoda, Christopher? — dou a atenção que tanto queria.
       — Bastante. E é senhor White para você. — Diz o mesmo que diz todos os dias. Eu nunca irei chamar ele assim.
       — Ainda bem que incomoda.
       — Estou preocupado com todas as pessoas que ficarão perto de você. Podia pelo menos ter um gosto melhor em perfumes? — diz.
       — Porquê? Eu amei esse, muitos homens amam também. — sorrio para o irritar.
       — Quem? Aquele seu namorado com cara de idiota? — bufa.
      — A única pessoa que eu conheço que tem cara de idiota está bem ao meu lado. — cruzo os braços e olho para frente.
       — Não sou mais idiota do que alguém que precisa de um banho de perfume para trabalhar.
       — Fico feliz que o meu perfume incomode tanto. — Respondo.
       — Não mais do que olhar para o seu rosto.
       As portas se abrem no meu andar. — Se está sempre querendo a minha atenção, duvido muito. — Saio e viro para acenar para ele. — Vá trabalhar, Chris!
      As portas se fecham quando ele está prestes a responder. Felizmente, eu tenho a última palavra.
     

FARSA [COMPLETO NA AMAZON]Where stories live. Discover now