Capítulo cinco

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Elena

      É irônico que o céu esteja cinzento lá fora. O dia está triste do mesmo jeito que estou. Seja o que for que estiver nesse testamento, consigo sentir que os White não vão gostar. Evan sempre me apoiou financeiramente, era como se tivesse me adotado, porque passávamos muito tempo juntos, eu até morava com ele, era na casa dos empregados, mas circulava livremente pela mansão, e a sua família não gostava disso.
     Espero na sala de estar sozinha, para me preparar para a guerra. Estou aqui a tanto tempo, que já bebi dois chás, mas estou calma porque ainda não tive o desprazer de encontrar Olive White.
     Converso com Veronica por telefone enquanto conto os segundos. Parece que passou uma eternidade, não sei porquê estou tão nervosa.
     — ...vai correr tudo bem. Não importa o que eles vão pensar, importa o que Evan quis. — Ela diz.
      — Tem razão.
      — Claro que tenho. Além disso, qualquer dúvida que tenha é só falar com Alaia, ela entende do assunto. — Lembra. Alaia é nossa amiga e nossa advogada, então sempre que temos dúvidas sobre determinado assunto que envolva Direito, recorremos a ela.
      — Claro que sim, já estou toda baralhada com todo esse assunto. Mais tarde precisamos mesmo nos divertir.
      — Com certeza, amiga. Estou ansiosa para conhecer o lugar que Alaia encontrou.
      — Confesso que eu também. — Ouço passos e viro na direção das escadas.
     Christopher vem me buscar, desfilando em sua calça e camisa preta, o cabelo todo para trás e o olhar de indiferença estampa o seu rosto hoje assim como todos os dias pela manhã.
       — Amiga, depois falamos. Alguém precisa da minha atenção agora. Beijos. — Desligo antes que ela pergunte se é o Christopher.
     — O que ainda faz aqui? — pergunta ele, ficando na minha frente com as mãos nos bolsos.
     — Não te interessa.
     — Vai esperar o advogado aqui?
     — O ar aqui parece mais leve, mas não se preocupe, já vou me juntar a vocês. — Finjo um sorriso.
     A campainha toca antes que Christopher diga qualquer coisa que possivelmente me aborreceria, e a empregada corre para abrir a porta e finalmente o advogado chega e vamos para a sala de estar. Christopher me deixa passar na frente e Olive olha para mim de cima a baixo quando saúdo a todos. Apenas Tommy, senhor White e seu irmão, que reune conosco através do computador, respondem porque eles não são totalmente horríveis.
      Sento no sofá, o mais longe deles, porém, mais perto do Christopher. Talvez ele seja o White que eu mais suporte, e assim se estiver irritada a minha mão não vai parar no rosto da Evangeline e sim do seu irmãozinho.
      — Bom dia, espero que estejam todos bem. — Doutor Schneider sorri para nós.
      — Estamos sim, doutor. — Senhor Albert White responde.
      Eu não estou tão bem assim.
      — Podemos despachar esse assunto? Tenho coisas para fazer. — Senhora White diz.
      Que insuportável!
      O advogado senta na mesa de jantar com sua pasta e começa a tirar os documentos. Ele parece ter a mesma idade que o senhor white, deve estar na casa dos cinquenta. Já o vi conversar várias vezes com Evan, ele era da sua confiança.
       — Evan White, elaborou esse testamento com muito cuidado. Ele amava todos vocês e gravou dois videos para que não duvidassem da sua sanidade. — Ele começa.
      — Isso significa que não vamos gostar do que vem aí. — Evangeline diz.
      — Talvez sim, talvez não. Eu vou fazer tudo como ele pediu que fizesse. Não esqueçam que tem assinatura de testemunhas, isso também deve bastar para acreditar na capacidade do autor do testamento. — Esclarece, Schneider.
      — Nós sempre soubemos que meu avô não era louco. — Christopher comenta ao meu lado.
      — Ele elaborou o testamento há alguns anos. Você ainda era menor, Christopher. Evan foi muito cauteloso. — Continua o advogado.
      — Ele sempre foi. — Christopher responde mais uma vez.
      — Então vamos começar. — Ele coloca os óculos e começa a ler o documento em questão. — Eu, Evan Henri White... — Lê primeiro todos os dados pessoais do falecido. —...livre de qualquer coação ou induzimento, em perfeito juízo de minhas faculdades mentais, sem nenhuma interdição, venho por este meio lavrar o presente testamento, na presença das seguintes testemunhas...— Lê também o nome das testemunhas.
      — Parece que isso vai durar uma eternidade. — Ouço Evangeline sussurrar.
      — ... decido dispor minha ultima vontade, pela forma e da seguinte maneira... — E ele começa com as cláusulas. — Dos bens imóveis — ele tosse. — Primeiro imóvel, a mansão avaliada em quarenta e sete milhões de dólares a favor do meu neto Christopher White — continua descrevendo os dados da mansão. — A casa de férias na Florida avaliada em sessenta milhões de dólares a favor da minha neta Evangeline White — Ele continua. — A casa de férias em Paris avaliada em cinco milhões de euros a favor do meu neto Henri White... — Ele lê alto para que todos possam perceber.
      Evan deixou também a casa em Arizona avaliada em setenta e nove milhões de dólares, a Fazenda e o jato particular para Henri; a casa no lago, os carros e as obras de arte para Evangeline; o iate, o helicóptero e os livros todos para Christopher. Deixou também oitocentos milhões de dólares para Christopher, seiscentos milhões de dólares para Evangeline, um bilhão de dólares para Henri, duzentos milhões de dólares para seu filho Albert, duzentos milhões para seu outro filho Arnold e cinco milhões para Olive.
      Por fim, as ações, onde Christopher, Henri, Albert e eu temos ações no hotel. Evangeline, Christopher, minha irmã, Arnold e Henri têm ações em todas as outras empresas que Evan detinha ações. E eu estou satisfeita com o testamento.
      — Por fim, para Elena Ronalds, a carta que deve abrir apenas daqui a seis meses. Estão todos satisfeitos? — seu sorriso é igual de um vilão de desenho animado.
      Evan deixou uma carta para mim?
      É como se fosse as suas últimas palavras.
      Evangeline sorri. — Eu estou. Sou milionária e tenho ações em várias empresas.
     — Também estou satisfeito. — Albert diz.
     — Nosso pai era muito justo. — Arnold fala através do computador.
     — Eu não estou satisfeita. — Olive diz, porque obviamente seria ela a primeira a reclamar. — Como o meu sogro vai me deixar uns míseros cinco milhões? A casa no lago, a Fazenda foram para as pessoas erradas. E as jóias caras da Emma? Quem fica com as jóias?
      — E eu não recebi nada. — Tommy parece desanimado. Sei que Evan não gostava dele, dizia que ele não amava a neta.
     — Henri foi quem mais se beneficiou. — Christopher diz. — Ele agora é bilionário.
     — E a senhora que não gosta dele? — digo. Eu sei como Olive trata mal Henri, Evan sempre foi muito carinhoso com ele porque sentia que ele carecia de amor maternal.
     — Cala a boca. Você recebeu o quê? Apenas uma carta? — ri.
     — São as palavras dele, são muito especiais. E também tenho ações no hotel que é muito melhor do que cinco milhões de dólares. — Ataco de volta.
     — Sua vadia...
     — Por favor! — o advogado chama atenção para si. — Ainda não terminei.
     — Como assim? — Christopher franze a testa. E eu tenho um mau presságio.
     — Há uma cláusula que não li ainda. — Ele lê. — Cada herdeiro no presente testamento, apenas receberá a devida herança após concluídos seis meses de matrimônio do meu neto Christopher White com Elena Ronalds em que cumprirão o dever de coabitação no período supracitado. Caso a minha vontade não seja cumprida, doo todos os meus bens para a fundação White.
      — Não, não, não. — Evangeline levanta, indignada. — Não pode ser. O meu avô bateu com a cabeça naquele dia!
      Christopher também levanta. — Eu vou casar com a Lexi e não com essa daí!
      — Mais respeito, seu idiota! — respondo.
      — Com certeza ela obrigou o meu sogro. Não pode haver outra explicação. — Olive cruza os braços. — Agora faz todo o sentido.
      — Isso é um absurdo. — senhor Albert diz. — Não pode ser.
     — Como ele pode fazer uma coisa dessas? — Arnold também reclama.
     — Isso não é válido. Não pode ser. Eu vou impugnar esse testamento por erro ou coação. Esse testamento não pode ser válido. — Christopher aponta o dedo a Schneider.
      Eu sabia que haveria alguma coisa que não iria agradar a ninguém.
      — Claro que é válido. A lei respeita a vontade do de cujus. Ele estava em pleno discernimento, não há nenhuma cláusula ilegal.
      — Me obrigar a casar com Elena é ilegal. Isso não pode ser. Eu vou anular esse testamento. Não importa o que o meu avô queria. — Christopher continua, irritado.
      — Com toda a certeza que tem mão dessa mulher nisso tudo. — Evangeline também me acusa.
      — Acha que eu quero casar com o seu irmão? Acha mesmo que eu coloquei essas coisas na cabeça do seu avô? — levanto também. É um absurdo atrás do outro. Eu sabia que estava vindo de facto para uma guerra porque nesse assunto de herança e testamento sempre há carnificina.
      — O que mais pode ter sido? — Olive olha para mim. — Você é uma manipuladora. Sabia que Christopher ia receber boa parte da herança.
      — Eu não preciso da parte do seu filho mimado. Não preciso de nenhum de vocês. — Aponto para a mulher que sempre me tratou mal.
      — Já chega!  — Albert diz. — Doutor, quero ver os vídeos que o meu pai deixou, por favor.
      — Claro, senhor. Será possível apenas um deles, o outro é exclusivo para Christopher. — Schneider responde, tirando os óculos.
      — É sério que vai aceitar isso, pai? — Evangeline fica na frente dele.
      Tommy permanece quieto no sofá porque de uma forma ou de outra não recebeu nada, apenas observa o espetáculo com divertimento. Arnold já desligou a ligação em vídeo, e eu só quero sair daqui, porque se todos me atacarem em simultâneo vai ser difícil me defender.
     — Com certeza que alguém teve acesso ao testamento antes de nós. Elena talvez. — Olive insiste em me tornar a vilã. — Ou sabe-se lá o que ela ofereceu ao Evan por isso.
     Christopher me segura quando me movo como se soubesse que eu bateria na sua mãe. Eu não tocaria nela apenas diria palavras que podem doer profundamente na sua alma.
      — CALADOS! — Albert diz. — Quero todos sentados e vamos ver o vídeo que o meu pai deixou.
      O advogado entrega um dos vídeos para Christopher e a carta para mim antes de colocar o video no computador que está na mesa de centro, agora virado para nós. O rosto do Evan surge e as lágrimas espreitam. Faço um esforço para não chorar porque eu tenho muita saudades dele.
      Ele suspira. — Querida família, se estão vendo esse vídeo é porque já não estou entre vocês. Eu decidi gravar isso porque sei que não estarão de acordo com o testamento. Eu não estou louco, minha saúde mental está em perfeitas condições. Apenas é isso que eu desejo a todos vocês. Aos meus filhos, quero que saibam que com as ações ganham bastante, conseguirão milhões e milhões. Evangeline, você também, minha querida, sei que queria muito algumas casas, espero que esteja satisfeita com tudo o que deixei a você.
      Ouvir a sua voz é tão bom, mas eu não posso chorar agora que estou rodeada de cobras. Preciso ser forte e aguentar até ao fim para não desmoronar.
      O vídeo continua. — Henri, eu confio em você e na sua grandeza, nunca esqueça que é muito especial não só para mim, mas para sua família também. Christopher, sei que não irá gostar do que está nesse testamento, mas eu achei que seria um jeito de todos vocês respeitarem a Elena, que se tornou na minha família também. Eu amo ela e Janelle como amo cada um de vocês. Sei que será difícil, mas é tudo o que eu peço. Por favor, respeitem a minha vontade, pelo amor que têm a mim, que espero ser maior do que todo o dinheiro que estão prestes a receber. — Ele suspira e o vídeo termina.
      Evangeline enxuga os olhos. — Eu preciso pensar. Melhor ir para casa, se o senhor não tem mais nada a dizer.
      — Não tenho. — Schneider olha para ela, entendendo como se sente.
      Eu também entendo.
      — Vamos, amor. — Tommy leva Evangeline, que se despede brevemente.
      Eu também preciso ir embora, acho que não tenho mais nada para fazer aqui. Viro para ver Christopher segurar as lágrimas e até tenho vontade de o abraçar para que possamos chorar juntos, mas sei que não irá gostar.
      — Não quero saber o que esse vídeo diz. Ainda é injusto tudo isso. Ele não pode obrigar o Christopher a casar com essa mulher. — Olive olha para mim com ódio.
      — Obviamente é muita coisa para processar. — O advogado diz. — Espero que pensem melhor no assunto, no que ele queria.
      — Casamento, tudo bem, agora morar com ela? Isso não passou dos limites! — Christopher diz. — Esse testamento é nulo.
      — O testamento é válido. Não estamos na presença de nenhuma ilegalidade.
      — Sério? Eu acho que o meu avô agiu com dolo. Esse video pode ter tocado o coração da Evangeline e talvez Henri também concorde com isso, mas eu não. — Christopher olha para Schneider. — Quem foi mais injustiçado fui eu.
       — Injustiçado? Você recebeu vários imóveis, um iate e oitocentos milhões de dólares. Quer falar sobre isso? — Olive também ataca o filho. Não entendo, eu ficaria feliz com cinco milhões de dólares, além disso seu marido recebeu muito mais.
      — Eu me refiria a casar com essa mulher. — Christopher desvia o olhar para mim.
      Levanto e pego na minha bolsa. — Façam o que vocês quiserem. Eu também não quero casar com o Christopher, mas não vou ficar aqui para ouvir faltas de respeito. Evan obviamente não merecia a família que tinha.
      — Quem você pensa que é? — Olive pergunta.
      Ignoro ela e saio, com sorte sem mostrar o dedo do meio a ela por respeito ao senhor White e Schneider.
      Evan sempre dizia que gostaria que eu ficasse com o Christopher, mas isso é demais. Eu concordo com seu neto pela primeira vez na vida ao dizer que esse testamento não pode ser válido, mas o que importa? Eles que façam o que quiser. O importante é que minha irmã já tem todos os estudos pagos, minha mãe está bem e eu tenho um bom emprego.

                                         ****

     Vou visitar a minha mãe e a minha irmã durante a tarde para contar as novidades. Minha mãe me recebe com uma fatia de bolo de chocolate e ficamos as três na cozinha, já que meu padastro ainda não chegou da oficina. Sempre nos vemos, às vezes eu venho para cá, e eles vão para o meu apartamento.
      Janelle tem dezasseis anos, é muito estudiosa e inteligente, mas claro que como todo adolescente às vezes tem atitudes rebeldes. Muitos dizem que somos muito parecidas, mas eu não vejo isso, acho que sou mais parecida com a minha mãe.
      Minha irmã come também uma fatia de bolo, ouvindo o que eu digo. Seus cabelos crespos volumosos estão soltos, tão pretos e brilhantes que dão até inveja. Ela veste um vestido azul claro que comprou com a mesada que Evan dava para ela.
       — Casar? — minha mãe arregala os olhos. — Mas como isso é possível? Parece até novela.
      — Como os White reagiram? — Janelle pergunta.
      — Muito mal, obviamente. Eles acham que eu obriguei o Evan a escrever aquilo.
      — Eles não gostam de você. — Janelle responde o óbvio.
      — Eu sei. Também não gostei da ideia de casar com o Christopher, mas quando vi o vídeo... — Suspiro. — É a última vontade do Evan.
      — Ainda não acredito que ele me deixou tanta coisa. Como se não bastasse o dinheiro para a faculdade, também tenho ações.
      — Vocês eram como filhas para ele. — Minha mãe sorri.
      — Eu sei. — Termino o bolo, lambendo o garfo.
      — Além disso por que não seria válido? Não disseram que no testamento o que importa é a vontade do testador? Não acho que ele fez errado, eu faria o mesmo. Querem o dinheiro? Sigam as minhas exigências. — Minha mãe diz. — Do mesmo jeito que ele escolheu quem fica com o quê, tem o direito de dizer que haverá consequências caso não cumpram com o que está escrito.
       — Eu não entendo muito dessas coisas. Melhor esperar para ver o que vai acontecer. — Suspiro. Tenho mesmo que falar com Alaia. — Só espero recebermos as nossas coisas sem eu ter que casar com Christopher.
       — Mas você disse que se não casar, o dinheiro vai para a Fundação White. — Janelle lembra.
      — Sim.
      — Essa situação está muito complicada. — Minha mãe leva os pratos na pia.
      — Eu vou esperar a decisão deles. — Limpo a boca com um guardanapo.
      — E a carta? Não vai ler? — minha irmã pergunta.
      — Só posso ler depois de seis meses.
      — Eu posso ler. — Janelle se oferece. — Prometo que não te conto nada.
      — Não. Eu vou esperar. Se Evan quer que eu o faça em determinado momento, é isso que farei.
      — Está bem.
      Lionel entra na cozinha com um sorriso, beija a minha mãe, a testa da minha irmã e a minha. Ele é um bom homem, age como se fosse o nosso pai biológico e eu fico feliz que a minha mãe tenha alguém. Até Evan gostava dele.
      — Como foi com os White, Elena? — ele pergunta.
      — Exaustivo, explosivo e horrível. — Conto para ele também. Mais uma pessoa que acha que Evan exagerou ao incluir que eu me casasse e morasse com Christopher.
     Mas minha mãe deve ter razão, era o dinheiro dele, então eram as suas regras.
     

FARSA [COMPLETO NA AMAZON]Where stories live. Discover now