Uma nova amiga.

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-Eu não sei como começar essa conversa. Então vou começar dizendo que eu sinto muito por toda essa situação, nem imagino pelo que você deve estar passando e justamente por isso eu não sei com que tom falar a respeito desse bebê.

Liv foi sincera, pisquei algumas vezes incrédula com a sua transparência. Ela estava agindo como mais do que a minha médica, parecia minha amiga, parece até que sabe o quão difícil é essa situação.

-Liv... Você engravidou antes do seu mais velho nascer?

Liv ficou quieta. Abriu e fechou sua boca algumas vezes e sequer me respondeu, mas a forma como me olhou e depois desviou o seu olhar para sua prancheta disse tudo o que eu precisava. Coloquei uma mão em cima da sua e ela me olhou.

-Obrigada por todo esse apoio. Então você mais do que ninguém sabe o quão difícil é ter um filho e principalmente quando ele resolve aparecer sem que você esteja preparada.

Os labios dela formaram um pequeno e delicado sorriso o qual eu devolvi. Ela então suspirou e coçou sua nuca como se fosse difícil falar o que estava prestes a dizer.

-Eu abortei meu primeiro filho.

A primeira frase me chamou atenção. Meus olhos encararam os dela sem se distrairem com mais nada e ela prosseguiu enquanto dava algumas pausas entre as frases, mostrando dificuldade em falar sobre esse assunto.

-Eu era jovem, tinha 19 anos. Nem namorava o pai da criança, apenas transamos no carro dele depois de uma festa e eu estava bêbada demais para lembrar de camisinha. Nosso relacionamento não era lá um dos melhores... Nossos pais não nos apoiavam porque eu estudava e fazia estágio e ele não. Ele tinha desejos e ambições muito diferente dos meus e meus pais chamavam isso de "preguiça". O sonho dele era crescer com a banda de garagem dele e fazer turnê mundial.

Ela contava a história com um sorriso no rosto, este que mostra quanto carinho ela sente por ele.

-Quando meus pais descobriram isso, me proibiram de namorar ele e os pais dele ficaram bravos com os meus e o proibiram também. A gente dava um jeito de sair escondido e isso durou meses. Até que eu engravidei. - Pausou e suspirou - Eu entrei em desespero. Eu sabia que meus pais não iriam gostar nada e nós dois nunca tínhamos falado de filho antes. Eu me vi sem saída. Passava mal no trabalho, dormia nas aulas porque de noite ficava com insônia pensando no bebê... Foram dias horríveis. Até que em uma noite, após uma discussão com ele eu pesquisei sobre casas de aborto e fui sozinha. Ele não soube da criança, ninguém nunca soube além de você agora. Mas por muito tempo eu me culpei por isso. Por ter tirado a vida de alguém que sequer tem haver com tudo o que aconteceu. Não dei uma chance para essa nova etapa da minha vida que claro, seria difícil, mas era o meu filho. Era um ser humano. Eu sonhei com ele inumeras vezes depois daquilo, minha mente sempre criava crianças diferentes tentando estipular como ela seria. O dia do aborto ficou na minha cabeça e as vezes eu o revivia em forma de pesadelo.

-Você passou por isso sozinha? E se a recuperação não fosse boa?

Ela deu de ombros com um sorriso quadrado.

-Eu sabia que tinha essa possibilidade. Mas eu não podia contar com ninguém. Minhas amigas na faculdade eram na verdade colegas, nunca tive tempo e disposição para criar amizades novas. Faculdade de Medicina é realmente punk como falam.

Ela riu leve e eu a acompanhei mesmo

-A úmiga amiga que eu realmente tinha não morava mais aqui, não quis contar a ela pra fazê-la se preocupar á distância e a única pessoa em quem eu confiava não correu atrás de mim quando eu me afastei.

-Como assim? Vocês terminaram antes do aborto?

-Quase... Quando eu fiquei sabendo da gravidez, eu entrei em pane e me isolei por medo de perceberem algo. Achei melhor fazer isso até decidir o que fazer com o bebê. Mas eu não conseguia olhar na cara do meu namorado, me sentia suja guardando um segredo como esse. Mas ele nunca pensou em ter filhos, nunca tocamos no assunto de ter um de nós dois e ele estava tão focado na banda que eu fiquei com medo de estragar tudo. Então ele foi a pessoa em que eu mais me afastei e isso me causou muita dor, porque eu via que ele não corria atrás. Era quase como se ele tivesse se afastado também. Por algum motivo... Ele simplesmente não conversava comigo a não ser que seja para sair e transar. Com esse meu afastamento, eu percebi isso. Que eu gostava dele mais do que ele gostava de mim. Aquilo foi a gota d'água pra mim, quando me dei conta eu já tinha marcado horário para tirar o feto.

Got'yaWhere stories live. Discover now