Capítulo 6

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Jhony

Não precisei esperar o despertador tocar para iniciar o meu dia, porque nem descansei. Joana teve mais dificuldade que o normal para dormir, e o acontecimento recente, que rotulei como consequência dos seus dentinhos rasgando a gengiva, me obrigou a recorrer ao livro de bebês mais rápido do que eu esperava.

Sentado na escrivaninha do quarto no meio da noite, li página por página até encontrar a sugestão sobre mordedores de borracha e saí pela casa em busca do elefantinho que ela mastigou mais cedo.

Com ele entre os dentes, sua inquietação não desapareceu de vez, mas ela a esqueceu por alguns instantes e caiu no sono - uma felicidade que durou menos que uma hora inteira antes de ela voltar a reclamar. Não que eu achasse ruim seus choros, era como bebês se comunicavam. Como expressavam seus sentimentos – página 15 do livro me ensinou.

A madrugada seguiu-se assim, e sem ter a mínima chance de eu conseguir pregar meus olhos, aproveitei de seus cochilos para ler o mangá. Li algumas páginas e parei quando seus berros voltaram a desfigurar a minha leitura.

Ficamos desse jeito até por volta das cinco da manhã, quando Joana finalmente dormiu após tomar a mamadeira que preparei na esperança de me ajudar a acalmá-la. Mesmo tendo consciência de que estava a alimentando fora da hora costumeira, foi uma paz quando seu choro não ecoou pelo quarto pelas horas seguintes.

Com seu sono todo desregulado, ao levantar da cama para iniciar o dia, resolvi que faria diferente de toda manhã e a deixei dormindo no berço enquanto eu tomava banho e me trocava para a escola. Ao terminar, silenciosamente a peguei em meu colo e a deitei no carrinho na sala. A mãe estava dormindo com o rosto virado para o lado e não me viu.

Não nos encontramos depois dos tapas de ontem. Não sabia como estaria seu humor e evitaria ao máximo descobrir.

Busquei a geleia no quarto e fui para a cozinha para finalmente provar e descobrir se era tão bom quanto foquinha disse.

Passei um fina camada numa fatia de pão de forma. Tinha uma textura lisinha, sem caroços, uma cor escura e vários pedaços de amora. Dei a primeira mordida, uma mordida pequena, mas que serviu para eu descobrir que era uma das coisas mais deliciosas que provei na vida. Não era tão doce quanto imaginei que seria, o que a tornava ainda mais viciante e pouco enjoativa. Mordi de novo e em poucos minutos, o que era para ser um pãozinho, se tornaram três.

Levantei, peguei a mochila da escola e guardei o frasco com uma colher dentro.

Hoje eu teria lanche para o recreio.

***

Fui um dos primeiros a sair da sala de aula assim que o sinal tocou. Corri pelas escadas e corredores da escola até atravessar o grande portão de ferro. Queria chegar em casa rápido e guardar a geleia na geladeira para não estragar. Comi um pouquinho no recreio, bem pouquinho para não acabar rápido, mas sabia que ter colocado a colher na boca e depois no pote por quatro vezes, podia azedar. A mãe sempre reclamava quando fazia isso nas comidas em casa.

— Ou, nerd, o que aconteceu com seu caderno do Avatar? — ouvi uma voz perguntar às minhas costas.

Virei o tronco e dei de cara com dois meninos da sala que implicavam comigo. A saliva doce, se tornou amarga. O mais baixinho carregava uma bola debaixo do braço, o que fez eu lembrar que era quarta, dia dos meninos da escola se reunirem no campinho depois da aula para jogarem futebol. Eu joguei algumas vezes. Apesar de ser muito ruim, me divertia, só que nunca mais fui convidado...

Jhony Trouble Onde histórias criam vida. Descubra agora