Capítulo 36

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JHONY

Meus dedos tremeram e o coração foi parar na garganta. Aquela porra foi dolorosa. Aquela noite estava sendo dolorosa, quando tudo que eu tentava, era me desvencilhar da dor.

— O que foi que você disse?

Gabrielle me encarou um instante sem dizer nada. Queria ter a capacidade de ler seus pensamentos e descobrir o que havia na ponta da sua língua que temia dizer em voz alta. Ao mesmo tempo, tinha medo de que ouvi-la talvez não me agradasse.

— Diga alguma coisa pelo amor de Deus!

— Promete que me ouvirá até o final? — pediu, analisando minha expressão.

Me levantei com tudo.

— Desembucha, Gabrielle, porra!

Ela sugeriu que eu me sentasse de novo e recusei. Se suas palavras pretendiam me sufocar, preferia absorvê-las em pé.

Então também se levantou e ficamos de frente um para o outro.

— Antes de qualquer coisa, saiba que eu queria te contar isso há muitos anos, mas não conseguia. É difícil. Tinha medo de que não me entendesse...

— Não dê voltas comigo. Fale de uma vez — a saliva que engoli desceu como brasa. De repente tudo por dentro começo a queimar, apesar de não saber explicar exatamente o porquê. 

— Eu vi quando levaram a sua irmã, Jhony. Eu estava ... Eu estava na amoreira... e vi tudo — deu dois passos na minha direção e parou. Eu consegui sentir a energia da sua presença. Não era diferente de um choque. — Eu adorava subir nela para espiar a rua, como você bem sabe, e nesse dia não foi diferente. Eu tinha ganhado uns binóculos da minha mãe e queria testar. Eu pulei a janela do quarto e estava sentada naquele galho alto quando vi você passando na rua de cima com a sua irmã. Eu não os conhecia, mas observar vocês era divertido. Vi quando se provocaram, quando o sapatinho da boneca caiu, e quando pareceram discutir. De repente você ficou zangado, gesticulava bastante e ela chorava muito. Então as coisas só pioraram — fez uma pausa. — A Juciene foi em direção ao sapatinho e vocês se distanciaram. Por alguma razão você começou a correr na direção oposta, correu para longe e no momento em que virou a esquina, um homem alto saiu da Van azul estacionada e falou com ela. — Sua voz estava molhada. — Ele vestia preto dos pés à cabeça, não dava para ver o rosto porque usava uma espécie de capuz, qualquer criança o acharia assustador. Mas lembro que sua irmã entrou na Van sem gritar e nem tentar escapar. Apenas aceitou quando ele estendeu a mão. Como se eles se conhecessem, como se ela reconhecesse a sua voz e isso fosse o bastante para confiar.

Meus pensamentos e meu estômago se ligaram e fiquei tonto.

— Repete o que você disse — sussurrei sem fôlego. Não tinha mais ar fresco naquele parque. Apenas poluição.

— Q-Qual das partes?

— A MERDA TODA! — a dor fez surgir a raiva. A minha preocupação era o que seria de mim quando a raiva fosse embora. Quando tudo que restasse, fosse sofrimento. 

A ouvi repetir a mesma história. Tinha muita coisa para rebater, mas a parte mais absurda, é que assim que Gabrielle parou de falar, eu não soube o que dizer. Minha garganta fechou. A voz sumiu.

Jhony Trouble Onde histórias criam vida. Descubra agora