Capítulo 37

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Jhony

Minha consciência, pouco a pouco perdendo a sobriedade, mandava eu voltar.

Mas minhas pernas continuaram seguindo em frente. Eu não tinha certeza de que estava à procura da morte, mas eu estava à procura de alguma coisa. Qualquer coisa que fizesse o meu cérebro parar de reprisar aquele diálogo doloroso que eu daria tudo para nunca ter acontecido. Não tantos anos depois.

Qualquer coisa para esquecer que uma esquina mudou a minha vida para sempre.

Coloquei o dedo na campainha da casa do meu pai e segurei até o som estridente arder os ouvidos da pessoa do outro lado da porta.

Segurei aquele botão, mas minhas pernas não conseguiam segurar o resto do meu corpo de pé. Caí na calçada e, não muito depois, meu pai apareceu no portão da sua linda casa com uma expressão dura de pedra.

— Jhonathan? O que você tá... — Ele colocou o celular na orelha e disse para a pessoa na linha: — Eu já te ligo. Aconteceu uma coisa aqui. Não, Natália, eu já repeti mil vezes, não tenho ideia do que essa pessoa está falando. Você deveria dar menos atenção para o que esses haters falam. Você me conhece, não conhece? Então ignora. Olha, tenho que resolver esse problema que acabou de aparecer no meu portão. A gente se fala depois.

Ele colocou o celular no bolso da frente da calça do pijama e me ajudou a ficar em pé.

— O que você tá fazendo aqui? Tem alguma ideia de que horas são? O que é... Santo deus, você fez uma tatuagem!?

Aquilo seria a minha coleira de identificação aonde quer que eu fosse.

Não respondi com palavras, não estava com um humor muito bom, apenas mostrei a língua um pouco inchada. Ele fez uma expressão de quem ia me xingar quando viu o objeto prateado e brilhante.

— Isso é um piercing!? Você fez uma tatuagem e um piercing? — Não consegui responder e alguma coisa parecia puxar meus joelhos para o chão. — Vou te dar um copo de água e você vai dar meia-volta e ir para a sua casa. Sua avó sabe que está aqui?

Neguei com a cabeça.

— Tenha santa paciência! Trabalhei o dia inteiro para ter que lidar com um bêbado na minha porta de madrugada.

Fui arrastado para dentro e depois jogado em um sofá gelado que tinha uma cor meio que de terra. O teto rodava, mas desconfiei que era por culpa do meu estado alcoolizado do momento.

Estirado naquele acolchoado frio, dei uma passada de olhos pela sala depois do meu pai dizer que buscaria um copo de água para mim.

À minha frente havia um aquário retangular que minha percepção distorcida achava ter uns 200L. Havia uns peixes indo de lá para cá - preto, laranja, branco, dourado... Quase adormeci contando.

As paredes eram de cor clara, totalmente diferentes das desbotadas lá de casa. A televisão como a de um cinema, Joana ficaria maluca assistindo filmes. Na parede adjacente, havia uns quadros de pinturas estranhas. Os móveis eram modernos e tinham alguns porta-retratos em cima. Nenhuma foto minha ou da Joana, pra variar. Eram todos do meu pai, sua namorada e o Golden Retriever que eu supunha ser dela.

Sob o mesmo móvel, um pouco atrás, quase escondido, havia um porta-retrato de cortiça com um desenho em preto e branco de um galho de flores silvestres que não combinava com o resto da decoração. Como se meu pai tivesse comprado o objeto e não encontrado tempo para adicionar mais uma foto dele com a namorada.

Não sabia o motivo, mas aquilo me deixou com uma pulga atrás da orelha.

De repente eu estava em pé, com esse objeto em mãos e ainda mais cismado. Por trás daquela pintura havia alguma coisa ou eu estava mesmo muito bêbado? Um pedacinho de fotografia parecia escapar na borda.

Jhony Trouble Onde histórias criam vida. Descubra agora