★ 𝟬𝟬𝟭 » PRÓLOGO

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"A humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum."

Edgar Morin

MONTAUK, NOVA IORQUE - EUA
30.07.2020 - 18:23 PM (Quatro meses antes)

Dentro de quatro paredes, encarando o ralo imundo e entupido por fios de cabelos desconhecidos, agarrei a cerâmica fria da pia amarelada ─ que outrora fora branca ─, enquanto evitava trocar olhares com meu reflexo por um instante. Procurando pelo interruptor, percorri a ponta dos dedos pela porta de metal até o batente e, em seguida, até perto do espelho. A luz se acendeu por um instante antes que uma faísca iluminasse tudo mais do que nunca e apagasse de vez, queimando a lâmpada. O pequeno cômodo ─ que obviamente não é higienizado há tempos ─ é tomado por algumas baratas que percorrem pelos meros um metro e meio de azulejos escurecidos por sujeira e mofo, que adentram na escuridão da encanação exposta por um buraco na cerâmica da parede. O lugar fede. Não só ao esgoto, mas o odor da gasolina também invade o ambiente.

Um vazio estático sussurra em meus ouvidos, chegando a causar um zumbido que carrega um sentimento conturbado e desconhecido, como um mau pressentimento. A sola dos tênis esfarrapados está desgastada pela caminhada, coberta por lama. O céu de cor alvacenta carrega uma forte e gélida ventania, a tempestade que parece se formar no horizonte escuro deve chegar logo. Trinquei o maxilar e respirei profundamente enquanto levava a ponta dos dedos até os olhos, acabei bufando pesadamente. Sentia o estresse me consumir, sem saber ao certo o que deveria fazer agora. Abaixei o rosto sobre a pia e abri a torneira, enchendo as bochechas antes de longas goladas na água. O gosto de cloro era evidente, mas nada me faria pagar cinco dólares em uma garrafa d'água.

A porta de metal e com dobradiças enferrujadas rangeu ao se abrir, e os fracos raios pálidos de luz iluminaram parcialmente o banheiro. Corvos sobre o toldo do estabelecimento grasnavam alto, abrindo suas asas e voando para longe quando acidentalmente bati a porta ao fechá-la. A estrada é uma linha reta, ligando o horizonte de leste ao oeste, onde o sol se põe. O lugar é bem movimentado, uma parada de caminhões completa: um posto de gasolina, um pequeno comércio meia boca e uma lanchonete que funciona como cafeteria durante as manhãs de sábado e domingo. Embora motores fossem ligados o tempo todo e burburinhos de conversas fossem constantes, tudo o que chama minha atenção são as sirenes momentâneas de três viaturas velozes que cantam pneu no asfalto da rodovia com certa urgência antes de desaparecerem no horizonte.

Caminhei em silêncio sobre o chão coberto por pedra britada, passando pelas bombas de gasolina e indo até o estabelecimento. Assim que abri a porta de vidro coberta por cartazes de promoção e anúncios de show de bandas independentes, ouvi o toque agudo e gentil de um sino sobre minha cabeça. O balconista dedilhava algo sobre a tela trincada de um celular, não se dando ao trabalho de nada. Ele usava um uniforme surrado azul marinho, com detalhes em amarelo. Estava evidentemente sujo de graxa, e o tecido se desfazia em alguns pequenos rasgos. O crachá pálido tinha uma foto completamente desbotada, mas seu nome ainda era legível. "Jonathan".

─ Licença, tem algum lugar onde eu possa carregar meu celular? ─ perguntei enquanto me aproximava com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta ─ meu carro parou no meio da estrada, acho que deve ser alguma coisa com o radiador, e... ─ parei de falar ao perceber que o rapaz continuava encarando a tela do celular, sem sequer parecer ouvir o que eu falava. Só agora teria reparado nos AirPods em seus ouvidos. Quase podia ouvir as batidas de sua música devido ao alto volume.

Olhei para trás com certo constrangimento, notando que um homem em uma das mesas mais próximas observava a situação. Parecia interessado no diálogo que ocorria, tinha cabelos castanhos claros e olhos azuis fixos em mim. Logo, sua atenção se voltou para a tela de 33 polegadas pendurada na parede atrás do balcão, bem ao lado de um ventilador velho e empoeirado que lutava para se virar da esquerda para a direita.

Fechei a cara e apoiei os braços no balcão, aguardando pacientemente que minha presença fosse relevante. A TV chiava em estática por conta da má transmissão causada pela tempestade que se aproximava. Entre cortes desordenados e glitches, uma repórter se agarrava a um microfone enquanto tentava manter o capuz de sua capa de chuva sobre a cabeça. Parecia falar sobre algo urgente, mas ninguém ali no ambiente era capaz de entender uma palavra sequer. Ainda assim, acabei por associar a situação com as três viaturas das quais teria acabado de ver.

Meat Is Murder: InterritusNơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ