★ 𝟬𝟬𝟯 » Caça ou caçador

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"A moral e a ética são duas invenções humanas que dependem muito do espaço que você ocupa."

Augusto Branco

MONTAUK, NOVA IORQUE - EUA
25.11.2020 - 15:02 PM

Não existe luz no fim do túnel quando se encara a morte. A única coisa presente é aquilo que se sente percorrer suas veias; o medo. Certa vez li que não há nada de incrível em morrer, pois qualquer um poderia fazer isso. Senti meus olhos arderem com a luz próxima. A tontura tomando conta de minha cabeça me trás a falsa sensação de estar rodopiando em um carrossel. Minha visão turva pela pancada na cabeça torna tudo mais confuso. Uma fogueira queima lenha fervorosamente a alguns poucos metros de distância, com um tripé que pendura uma panela de camping acima de suas chamas. Pude sentir o aroma de carne cozida invadir minhas narinas e imediatamente me lembrei das latas de bisteca que Mark teria me entregado. Provavelmente todas as minhas coisas já teriam sido roubadas agora. O calor era suficiente para que minhas roupas já estivessem secas, sabe-se lá por quantas horas teria permanecido apagada.

Meu estômago ronca e minha garganta seca arde a cada respiração que tomo. O sangue coagulado que cobre grande parte de meu rosto havia se misturado com a terra sobre o corte aberto, trazendo certa sensação de queimação para o ferimento. Estava sentada no chão e tinha os pulsos amarrados, meu torso era mantido preso a um tronco de árvore por uma corda. Ainda sim, estava com os pés livres. Estranhamente, só agora teria notado a falta de minhas botas. Meu pé esquerdo permanecia com uma meia, mas o tornozelo do qual teria sido rasgado pelos dentes do cão estava envolto por bandagens. Trinquei o maxilar, prendendo os dentes contra o tecido da mordaça que tinha amarrada com um nó firme na nuca. Fechei os olhos e respirei fundo, sentindo o cheiro de orvalho enquanto tentava me estabilizar, me livrar da tontura.

O mesmo pastor alemão que anteriormente teria me caçado ferozmente como uma presa abanava a cauda de maneira entusiasmada, espalhando folhas secas de um lado para o outro. Sua pupila estava dilatada enquanto encarava algo, parecendo ridiculamente inofensivo. Segui seu olhar, focando na silhueta de um homem abaixado e de costas para mim. Tudo o que eu podia observar era seu capuz e o rifle que carregava em suas costas. Ele revirava minha mochila, mas as de Mark e Nick também estavam ali. Diferentemente, os itens de ambos estavam espalhados pelo chão como se o desconhecido procurasse por algo. Franzi o cenho e semicerrei os olhos com confusão ao vê-lo tirar uma das latas de bisteca cozida da minha bolsa, já que acreditava ser aquela carne que estava na panela. Ele a abre, e com um assovio chama a atenção do cachorro que se aproxima para rapidamente enfiar o focinho dentro da lata.

Bufei baixo e virei o rosto, voltando a analizar o perímetro. Ainda estávamos próximos do local onde tudo teria acontecido, já que a linha de trem ainda seguia continuamente floresta adentro. Muito porém, não conseguia ver o carro em lugar algum. Meu machado estava com a lâmina afundada na terra, provavelmente teria sido usado para recolher a lenha da fogueira. Pouco a pouco ligava os pontos para tentar entender tudo o que o desconhecido teria feito desde o momento em que me apagou. Estranhamente as roupas daqueles dois que me acompanhavam estavam amontoadas em um canto. Toda a floresta se torna silenciosa e quase podia sentir o tempo parar. De forma crescente, senti minha respiração falhar até que o ar em meus pulmões não fosse mais suficiente.

Os dois cadáveres estavam estirados sobre o gramado, e pela ausência de cabeças eu já não conseguia diferenciar Nick de Mark ou vice versa. O torso de um deles estava aberto desde o fim de sua caixa torácica até o umbigo. As vísceras ─ rins, estômagos, bexiga, tudo o que fosse "descartável" ─ estava jogado dentro de um balde. A perna direita foi desconectada de um dos corpos bem próximo ao quadril, com cortes limpos e alinhados. Seus ossos já teriam sido roídos pelo cão que acompanhava o caçador. Só agora reparava no avental ─ antes branco, mas agora tomado por uma tonalidade vermelho carmesim ─ que estava pendurado sobre o cabo de um facão, fincado no tronco de um pinheiro. Um calafrio percorre toda minha coluna até arrepiar minha nuca. Comecei a me debater, inutilmente tentando me soltar das cordas que me prendiam ali.

Meat Is Murder: InterritusWhere stories live. Discover now