★ 𝟬𝟬𝟵 » Calmaria antes da tempestade

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"Na floresta perde o pescador, e no mar perde o caçador."

Abel Bundi

SAGAPONACK, NOVA IORQUE - EUA
05.12.2020 - 05:08 AM

A noite passa como um piscar de olhos, literalmente. Em um instante teria me deitado no sofá, e no outro, acordei bruscamente ao ouvir o som metálico de uma panela quicando pelo chão da cozinha. Me levantei rapidamente, me sentando para olhar para trás. Peter se levanta em sincronia comigo, também olhando em minha direção enquanto timidamente segurava a panela entre as mãos.

─ Desculpa. Não queria te acordar tão cedo.

Olhei para o relógio na parede. Eram cinco da manhã, o sol ainda estava nascendo.

─ Bom dia. ─ Resmunguei entre um bocejo, coçando os olhos com os pulsos. ─ O que tá fazendo acordado tão cedo?

─ Café.

Me levantei para ir até a mesa da cozinha enquanto ajeitava meu cabelo com as mãos, penteando os fios de forma desajeitada com os dedos. Peter revira o armário abaixo da pia, mas ajeita a postura bufando em frustração

─ Acabou minha água... Pera aí.

Disse passando por mim e levando a panela consigo. Atravessou a sala, e abriu a porta. Porém, paralisou na varanda e aparentemente falou com alguém. O cheiro de cigarro invade o ambiente, e pela janela podia observar a fumaça passar. Segui Peter e parei logo atrás dele, olhando sobre seu ombro, observando a cena: Andrew estava sentado na cadeira de balanço ao lado da porta, com um Marlboro entre os dedos e Nebraska deitada em seu colo. Tinha as bochechas avermelhadas pelo frio.

─ Por que não me falou sobre a barraca!? ─ Parecia indignado, provavelmente teria passado a noite acordado ali do lado de fora.

─ Você me mandou calar a boca quando eu ia te contar. ─ Respondi.

Peter intercala olhares entre nós dois de forma acuada e então se retira, desaparecendo floresta adentro. Provavelmente sabia onde encontrar água doce.

─ Espero que sua noite com o PETER tenha sido maravilhosa, enquanto não tomava no cu com quinze graus negativos. ─ Ainda falava com raiva.

─ Na verdade, foi ótima. ─ Disse em tom de provocação enquanto saía para fora de vez e fechava a porta da cabana. Me sentei nos degraus da varanda, logo em frente para Andrew. ─ Eu descobri como chegar na Filadélfia mais rápido.

Seu olhar se suavizou, e sua feição mudou de frustração para interesse.

─ Como assim? ─ Resmungou tirando Nebraska de seu colo e se inclinando para frente. Falava baixinho, como se estivesse participando de uma fofoca. Seu olhar segue as pegadas de Peter, temendo que ele voltasse durante nossa conversa.

─ Existe um grupo em Sag Harbor com um barco. Vão fazer um caminho de lá até Westerly, e depois vão desembarcar em algum lugar próximo de Filadélfia. ─ Também sussurrava. Ele abre um sorrisinho de canto, quase parecia orgulhoso.

─ Boa, porra, boa! Eu sabia que você não era completamente inútil.

Comecei ao ouvi-lo com entusiasmo, mas tudo desmorona ao escutar a palavra "inútil".

─ Vai se fuder...

Ele se levanta e afaga minha cabeça com a mão livre em um carinho bruto, bagunçando meus cabelos.

─ Tô começando a gostar do nosso novo amigo. ─ Disse de forma cínica e arrogante ao abrir a porta da cabana e entrar, invadindo o ambiente.

Me levantei com prontidão e o segui para dentro, logo encostando a porta. O mesmo já estava no canto da sala pegando alguns pedaços da pilha de lenha como se a casa pertencesse a ele. Estava tremendo como uma vara verde.

─ Vai querer ir?

ÓBVIO.

Sequer tinha o convidado, mas sabia que viria também. Me aproximei e sentei na poltrona que estava mais perto da lareira, onde ele tentava acender o fogo novamente.

─ Como acha que vai ser aquele lugar?

Seus olhos brilhavam com o reflexo da fogueira recém acesa.

─ Acho que vai ser seguro.

─ Só isso?

─ E você quer mais o quê?

─ Sei lá... Queria paz.

─ Tá pedindo demais, loirinha. ─ Disse se levantando e batendo as mãos, limpando a terra da lenha em que teria pego. Era a primeira vez que me chamava daquela maneira, estava aparentemente de bom humor depois da minha descoberta ter sido compartilhada. Ele se sentou na poltrona ao lado do sofá. ─ Sabe, você poderia não ter dito sobre isso pra mim. Poderia ter ido embora com o Peter e desaparecer, quem sabe nunca mais me ver. Por que não fez isso? Por que me contou sobre o barco?

Era um questionamento desnecessariamente profundo, eu só gostava de tagarelar. Dei de ombros sem ter uma resposta.

─ Hm...

Andrew resmunga. Pareceu decepcionado com minha resposta.

─ "Hm" o quê?

─ Nada não...

Peter abre a porta, mas Nebraska atravessa o vão entre suas duas pernas rapidamente, desequilibrando o homem e quase o derrubando. Um pouco da água que estava dentro da panela que carregava se derrama no chão de madeira. Ele atravessa a sala em silêncio e vai até a cozinha, colocando a água sobre uma das bocas do fogão e a deixando para ferver.

─ Regan me contou sobre Sag Harbor. ─ Andrew disse em um tom de voz alto o suficiente para que Peter ouvisse. O rapaz de cabelos castanhos olha em nossa direção.

─ Ah... Vão sair daqui dois dias. Você vai também?

Antes de Andrew responder, o interrompi.

─ Precisa pagar sua passagem com algo.

Ele me encara e abaixa o olhar, pensativo.

─ Eu vou dar um jeito.

† † †

O sol brilha fortemente no céu. Estávamos naquele cais novamente.

─ Tá fazendo errado. Se prender a isca desse jeito, não vai fisgar nada. ─ Peter murmura encarando o anzol em minhas mãos. ─ Faz assim ─ Deixou que eu observasse a maneira com que prendia peixes menores, fazendo aquilo mais devagar do que de costume.

Andrew também olhava de braços cruzados. Pelo canto do meu campo de visão, o vi finalmente sucumbir e pegar a vara que teria sido entregue para ele de maneira relutante.

─ Achei que você fosse vegano. ─ Disse para ele com um sorriso enquanto ainda tentava prender a isca da maneira certa. Não conseguia levar a sério o fato de que um canibal pudesse ser vegano.

─ Eu sou. ─ Pigarreou fazendo cara feia e pegando uma das sardinhas pequenas para colocar no anzol. ─ Mas ela não é. ─ inclinou levemente o rosto, apontando para Nebraska.

─ Vamos sair amanhã cedo. Deve dar tempo de chegar lá antes de anoitecer, e então, no dia seguinte partimos com o barco.

Peter diz e então joga o anzol na água. Ele pretendia pescar ao menos mais dois baldes e usar todos os peixes pegos como troca por sua passagem, e assim foi feito durante toda a tarde. Um único momento de tranquilidade pela primeira vez nos últimos cinco meses.

Meat Is Murder: Interritusحيث تعيش القصص. اكتشف الآن