★ 𝟬𝟬𝟳 » Abaixo de zero

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"A maior expressão de empatia é sermos compreensivos com alguém de quem não gostamos."

Mark W. Baker

SAGAPONACK, NOVA IORQUE - EUA
03.12.2020 - 16:24 PM

Abri os olhos lentamente. Tudo estava envolto em breu, a lareira teria se apagado. Pequenos fachos de luz atravessavam as brechas das ripas de madeira nas janelas, indicando que a noite já teria acabado. Andrew estava ali, estático enquanto olhava para a rua. Seu cenho estava franzido em uma expressão preocupada, seu lábio interior projetava um bico irritado, mas suas duas mãos pousavam dentro dos bolsos da calça como se não houvesse nada que pudesse ser feito.

─ O que foi?

Murmurei enquanto apoiava as duas mãos no chão para me sentar. Tinha os cabelos arrepiados, resultado de uma noite de insônia e constantes intervalos entre dormir e acordar. Ele sequer olha para mim, não emite nenhum som, nada. Me levantei e fui em sua direção, parando ao seu lado e inclinando levemente minha postura para baixo para enxergar o outro lado através de uma das brechas. O gramado estava pálido, com uma fina camada branca de gelo. Flocos de neve caíam tranquilamente do céu em uma dança divina da natureza. Seria lindo, se tudo não estivesse mais frio do que nunca. Andrew se vira para trás bruscamente, começando a recolher todos os seus pertences de forma urgente.

─ Vamos acelerar nossa viagem. Paradas só quando for realmente necessário, sem desvios.

─ A gente pode arrumar um lugar pra ficar durante o inverno, e continuar a viagem quando a primavera chegar.

─ Não. ─ Levantou um olhar imponente em minha direção, mas o ignorei. Abri a boca prestes a dizer algo para o contrariar, mas fui interrompida. ─ Eu disse que não. ─ Rebateu enquanto fechava o zíper de sua bolsa e o da jaqueta logo em seguida.

† † †

Uma trilha de oito de pegadas é deixada por onde passamos. Tínhamos o costume de caminhar sempre pela praia ou acompanhando ferrovias. Parecia simples, mas era uma ótima forma de seguir nossa rota sem que acabássemos andando em círculos pela floresta, evitando todos os mortos ou vivos que pudessem ocupar as cidades. Com a neve, logo logo os trilhos seriam encobertos, então o que nos restava era seguir pela costa sul. Caminhava logo atrás dele, mantinha minha mão direita levantada para projetar uma sombra sobre os olhos enquanto encarava o céu. Ele olha para trás.

─ Tá fazendo o quê? ─ Indagou como se me visse como uma retardada, mas seu tom rude já não me afetava mais.

─ Cuida da sua vida. ─ Resmunguei enquanto ainda encarava o sol.

─ Você faz isso todo dia. Parece que fica esperando ver um avião. ─ Não o respondi e semicerrei os olhos. Ele olha para trás novamente, indignado. Uma revoada de gansos passa voando sobre nossa cabeça em uma formação em V, imigrando para a direção sul, o que acaba chamando a atenção do homem e do cachorro, que late para o céu. Andrew puxa a manga do casaco para cima, encarando o relógio no pulso. ─ São seis da tarde agora.

─ Você tinha um relógio!? ─ Franzi o cenho.

─ Eu acho engraçado quando você fica igual uma imbecil queimando as córneas na luz do sol.

Balbuciei alguns xingamentos em um tom de voz baixo o suficiente para que ele não me ouvisse. Às vezes, o simples fato dele respirar ao meu lado era suficiente para me tirar do sério, me pergunto como alguém conseguiria ser tão desnecessariamente antipático e detestável. Comecei a pensar na possibilidade de batizar sua água com vodka para que fosse agradável mais vezes. Ele olha para o céu novamente, o sol começava a se pôr no horizonte.

Meat Is Murder: InterritusOnde histórias criam vida. Descubra agora