★ 𝟬𝟬𝟴 » O pescador

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"Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero."

Nelson Mandela

SAGAPONACK, NOVA IORQUE - EUA
04.12.2020 - 13:26 PM

Já faziam quatro horas desde que teria acordado completamente sozinha dentro daquela tenda. Vigiava o perímetro em silêncio, observava as ondas do mar, os pássaros no céu e a copa das árvores que eram encobertas por neve. Nada de Andrew retornar. Na verdade, sequer teria visto quando ele teria saído, ou pra onde foi. Nebraska também não estava mais ali. Começava a pensar na possibilidade de ter sido deixada para trás. Com as duas mãos abrigadas nos bolsos da jaqueta, encarei o céu e respirei profundamente antes de bufar aceitando a derrota e o abandono.

Me aproximei da tenda e comecei a desmontá-la. O fato da estrutura de arames se enroscar na lona enquanto tentava desconectar tudo me tira do sério, e em um pequeno surto de raiva passei a distribuir pontapés contra a barraca.

─ URGH. ─ Grunhi entre dentes enquanto me ajoelhava, voltando a tentar fazer aquilo corretamente.

Mesmo assim, continuava pensando sobre como teria sido imbecil de acreditar que conseguiria chegar até Filadélfia com a ajuda de alguém. Um dos arames da estrutura acidentalmente atravessa a lona, abrindo um rasgo mediano na lateral da barraca. O estresse me faz me levantar e terminar de pisotear o que teria restado antes de agarrar minha mochila e dar as costas para tudo.

─ Foda-se, FODA-SE, eu não preciso disso. Nem de ninguém. ─ Resmunguei baixo, falando sozinha em frustração.

Caminhava pela beira da floresta, mas ainda nos arredores da praia. Me mantinha cabisbaixa, encarando minhas botas e as pegadas que eram deixadas para trás por onde passava. Entretanto, algo distante chamou minha atenção: a silhueta de um homem sobre um cais de madeira abandonado. Estava de pé na beirada, agarrado à uma vara de pesca. Ele olha em minha direção, e depois para os dois lados da praia. Parecia com medo. Estranhamente, ele levanta a palma de sua mão direita em um aceno. Um cumprimento amigável, mas ainda sim distante e desconfiado, trêmulo. Evitava movimentos bruscos, afim de não afastar os peixes próximos. Ao lado de seus pés, um balde mediano de metal estava lotado com sardinhas. Lentamente levantei minha mão também, retribuindo o gesto. Recuei dois passos de maneira arisca e adentrei nos arbustos, saindo do campo de visão do desconhecido. Depois do que tivera acontecido em Montauk, preferia não me arriscar. Levei as duas mãos até os ombros e agarrei as alças da mochila, acabava andando em zigue zague enquanto evitava dar de cara com galhos.

PSST! ─ O ruído emitido entre dentes ao meu lado me faz parar de caminhar. Olhando na direção do som, vi primeiro nebraska, e depois Andrew. O olhei de cima a baixo, claramente com uma feição ofendida no rosto. Ele me devolve o olhar com confusão. ─ TÁ FAZENDO O QUE AQUI!? ─ Sussurrou com tamanha intensidade que quase fez parecer que minha presença era indesejada, como se estivesse o atrapalhando em algo.

─ Por que me deixou pra trás? ─ Retruquei. Ele franze o cenho e semicerra os olhos, boquiaberto enquanto pensa no que responder.

De que MERDA você tá falando!? ─ falou baixinho.

─ Por que você tá sussurrando? ─ Indaguei com um tom de voz ácido, propositalmente o diminuindo á um ser de baixo QI.

─ Não tá óbvio!? Rifle de caça, cão de caça, caçador, floresta ─ Gesticulava apontando para tudo o que citava e então apontava para si mesmo, antes de estender os braços para frente tentando abranger todo o ambiente. Cruzei os braço e desviei o olhar. Sentia uma onda de vergonha e culpa me atingir. Não só por ter atribuído minha raiva para algo que ele não teria feito, como também por ter acabado de arrebentar nossa barraca.

Meat Is Murder: InterritusWhere stories live. Discover now