Capítulo 19 - A última carta

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— Mi hija! Aconteceu alguma coisa? – meu pai se levanta de sua cadeira assustado por me ver lá –  O que faz aqui? Você nunca veio ao meu escritório...  – vem em minha direção e segura meus ombros um instante e me dá um abraço.

— Papai, preciso falar com você. – digo em meio ao abraço.

— Mas, agora? Estou no meio do... – se afasta um pouco.

— Papai, eu nunca pedi nada para você. Estou pedindo agora. 

— Bom, mas no domingo que vem... – interrompo novamente.

— Não posso esperar pelo domingo, papai. Preciso de você já.

— Certo. Mas é que...

— Não pode me arranjar cinco minutos, papai? – faço drama, sabia que ele não ia questionar se eu fizesse.

— Oh, é claro que posso! – me puxa pela mão – Venha, mi hija. O trabalho pode esperar. Vamos até o Pop's. – me leva até a porta – Quer um suco? Um milk-shake? – meu pai falava no caminho, até chegarmos à chocoloja. Pediu um milk-shake de chocolate para mim que concordei em aceitar e pediu um conhaque, desculpando-se com o frio daquele fim de manhã.

— E então, mi hija? Você não devia estar na escola a uma hora dessas? – diz sentado de frente para mim na mesinha da lanchonete.

— Saí mais cedo, papai. Precisava falar com você.

— Oh, você sabe que pode contar comigo! E então? O que está havendo com a garotinha do papai?

— A sua garotinha já cresceu, papai. Cresceu sem nunca ter conversado com você.

— É... você sabe, eu e sua mãe...

— Mas agora eu preciso de você.

— Pois fale, mi amor. Sou todo seu, você sabe. Você sempre foi a queridinha do...

— Pare com esses diminutivos, papai. Por favor. Me trate como gente. Me trate como um ser humano!

— Mi hija está mesmo brava hoje. Mas eu vou lhe dizer o que fazer. Olhe! – Com um grande gesto, retirou a carteira do bolso. Pinçou teatralmente algumas notas, dobrou-as, pegou a minha mão, colocou o dinheiro sobre minha palma e fechou meus dedos, mantendo sua mão a apertar o meu punho fechado.

— Aí está. Eu entendo dessas coisas. Nada como uma tarde de compras para mudar o humor da minha garotinha. – solta minha mão e sorri – É um presente extra do papai. Procure uma loja bem elegante e compre alguma coisa bem bonita para você. Um vestido, ou um desses... desses blusões coloridos de que vocês tanto gostam. Ah, eu lhe garanto que vai sentir-se melhor! Ah, ah, nada como uma boa compra para tirar essas bobagens da cabeça da minha filha preferida. Está vendo? Eu também sei
tratar você como gente grande, hein? Satisfeita? – eu olha incrédula para o meu pai, procurando penetrar-lhe os pensamentos, como se tudo aquilo fosse uma brincadeira idiota prestes a acabar. Ele iria rir e dizer que não estava falando sério e finalmente daria o ombro de pai que eu estava precisando naquele momento. Mas nada disso aconteceu. Hiram Lodge se levantou, beijou minha testa apressadamente e jogou sobre o
balcão o dinheiro para pagar a despesa.

— Agora eu preciso ir, mi hija. Foi ótimo você ter aparecido, mas o trabalho... – ri falso – você sabe, não é? Não vai tomar o milk-shake?

— Não tenho vontade, papai. – deixo transparecer a raiva em minha voz.

— Então? Está mais aliviada, agora? – olhei bem para o meu pai, bem dentro dos seus olhos.

— Quer nota fiscal?

— Como? Não entendi...

— Nada, não, papai. Adeus.

— Tchau, mi hija. Gostei da surpresa. Apareça outras vezes. Mas não vá matar aula, hein? Olhe os estudos! – sai da lanchonete e eu apenas reviro os olhos, não tem ninguém nessa cidade com quem eu possa conversar?


***

—Mas como, Verônica? Você não vai almoçar? – pergunta minha mãe assim que eu chego em casa na hora do almoço e vou direto para o meu quarto dizendo que não ia almoçar hoje.

— Estou sem fome, mamãe. Comi lanche na escola. – minto.

— Desse jeito você vai desaparecer. Vai ficar doente. – me olha preocupada.

— Mamãe, hoje eu encontrei papai. – Ela parou a colher de arroz entre o prato e a travessa.

— Seu pai? – volta a mexer o arroz – Mas hoje não é domingo!

— Foi um acaso, mamãe. – vou em sua direção – Mas tome: ele lhe mandou isto. – deixo as notas sobre a mesa.

— O que é isso?

— É dinheiro, mamãe. Ele disse que é um extra.

— Mas...

— Compre algo bonito com esse extra. Ele diz que faz bem. Você deve entender disso melhor do que eu. – sorrio cínica. Talvez, naquela tarde, minha mãe melhorasse da enxaqueca.

***

E o meu amado o que diria
se eu partisse?
O que diria se estes versos
não ouvisse?
O que teria em suas mãos
senão um corpo dessangrado
cheio de carne, de suspiros,
de delírio apaixonado?
Faltaria, porém, o recheio das idéias,
a loucura e a razão,
que transforma um encontro sem graça
em tremenda paixão!
Mas não tema o meu querido
que esse amor desapareça,
pois ele é amado ao mesmo tempo
por um corpo e uma cabeça.
O corpo ele pode beijar, cheirar,
fazer do corpo mulher.
Mas a cabeça o possui, manipula,
e faz dele o que quer!
Haja o que houver, do meu amor
esse garoto foi o rei.
Digam a ele que com corpo e cabeça
eu sempre o amarei.
A marca desta lágrima testemunha
que eu o amei perdidamente.
Em suas mãos depositei a minha vida
e me entreguei completamente.
Assinei com minhas lágrimas
cada verso que lhe dei,
como se fossem confetes
de um carnaval que não brinquei.
Mas a cabeça apaixonada delirou
foi farsante, vigarista, mascarada,
foi amante, entregando-lhe outra amada,
foi covarde que amando nunca amou!

No meu quarto, essa era a última carta que eu escreveria. Não me pergunte por que a última, somente sei que deveria acabar com isso, estava me corroendo, me cansando e dentre todos os problemas que eu não conseguia consertar, esse eu podia arrumar, não sou uma péssima pessoa por desistir disso, não é?

Andava pela rua escura e gélida, diferente das outras cartas que ficavam em seu armário ou eram entregues diretamente por Betty, essa eu iria deixar em sua casa, se eu esperasse até a próxima aula, provavelmente desistiria da decisão.

O vento frio era cortante guardei a carta em uma mochila que eu levava e cruzei os braços, os esfregando com as mãos a fim de esquenta-los, acelerei os passos algo não estava certo. Consegui chegar na casa de Archie Andrews e deixei lá minha última carta. Não esperei muito e fui sentido ao Pembrooke novamente.

Vi uma sombra a me seguir, uma que não era a minha, eu precisava chegar lá rápido, mas então, eu fui puxada por ela.

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⏰ Last updated: Feb 25 ⏰

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Os Olhos Errados - VugheadWhere stories live. Discover now