Capítulo 3

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Mehron

Tudo o que eu podia ver era a cor do céu, desde o negrume azulado da noite ao nascer do sol no mais límpido e cristalino azul.

Não me permitiam enxergar mais nada na jaula suspensa em que eu havia sido confinado.

As paredes maciças, feitas das pedras preciosas que o povo de Fiei — maldito seja — tanto adorava, impediam que eu tivesse qualquer acesso a alguém de fora. Apenas a parte superior tinha grades de cristais esculpidos, que permitiam a entrada da luz do sol e consequentemente daquele azul opressivo.

Eles me limitaram, minaram meu poder e, ainda assim, tomaram tantas precauções.

Se eu não estivesse tão enraivecido, teria ficado lisonjeado.

O pior de tudo era ver o azul. O sufocante tom das íris de Arwin, minha fiel assistente que fora reduzida a mais um corpo na pilhagem de Igh.

Eu suspeitava, sendo sincero, que o céu bem visível acima de mim se tratava de mais uma maneira de me torturar.

Depois que Igh roubou parte dos meus poderes e me sufocou até que eu perdesse a consciência, passei um bom tempo fora de mim. Quando finalmente despertei de meu estupor, já estava longe de Fiei.

Os soldados, responsáveis pelo meu transporte durante vários dias de viagem, recusavam qualquer tipo de contato, ignorando minhas perguntas como se não me ouvissem. Mas eles me ouviam.

Talvez estivessem com medo de que eu descobrisse uma brecha em sua segurança. Talvez houvesse uma saída.

— Chegamos — ouvi um dos soldados dizer entre os sussurros que vinham do lado de fora, em um dialeto típico da capital de Trakrar, a terra natal do deus que eu mais detestava. Depois de Igh, é claro.

Apesar de ignorarem tudo o que eu dizia, era fácil escutar trechos de conversas entre os soldados através das paredes de cristais multicoloridos, e era de se imaginar que minhas palavras, também ouvidas por eles, fossem deliberadamente ignoradas.

Uma forma de precaução, eu imaginava. Igh não retirara toda a minha força no nosso encontro em Fiei, e portanto eu ainda tinha a capacidade de exercer alguma influência sobre os homens.

A maior parte da força de um deus vinha da adoração de terceiros, e como o último deus vivo de Gallas, eu não tinha muita concorrência.

Especialmente após a morte de meu pai, o último deus que viveu antes de mim.

É claro, isso não significava que todo o povo me adorava. Os elfos de Gallas estavam mais interessados em desenvolver suas bugigangas engenhosas do que em adorar divindades. Não era sem motivo que presenciávamos a extinção dos deuses da terra do canto.

— Onde estamos? — perguntei em voz alta e autoritária, tentando novamente conseguir alguma resposta.

— Cala essa boca, passarinho do caralho — latiu, com divertimento, uma voz que eu conhecia muito bem.

Era a primeira vez que Ziuceghulirghiloãnto — nome esse, impossível de pronunciar normalmente — falava algo desde que eu fui confinado naquela gaiola, há dias atrás, o que me fazia crer que ele estava me esperando na entrada de seja qual for o local para onde estavam me levando.

Pensando nisso e levando em consideração o número considerável de soldados de Trakrar que acompanhavam os homens de Igh, era de se esperar que eu estivesse no território das terras da batida.

E foi quando minha gaiola, como eles chamavam, atravessou uma imponente entrada feita de pedras ásperas e antigas, que finalmente entendi o motivo de me levarem até Trakrar.

Flower's ShamplooWhere stories live. Discover now