Capítulo 6

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Mehron

Antes de morrer, o Deus da Paz me ensinou a diferença entre os que impunham respeito pela violência e aqueles que não precisavam disso.

Os primeiros, fracos e cruéis, utilizavam de ferramentas hediondas como tortura e ameaças para impor autoridade. Desprezavam a dignidade e a liberdade alheia, sobrevivendo às custas de demonstrações de violência para então governarem sobre quem se curvava ao medo. Caso contrário, teriam sua autoridade questionada.

Os segundos, porém, sempre eram temidos por sua própria essência. Bastava um olhar, um gesto, uma simples presença opressiva, e então todos perceberiam o perigo que representavam. Eles nunca utilizavam os artifícios do medo como arma, mas sim como consequência. E ninguém os desafiaria, mesmo que a chance surgisse.

Assim era o desconhecido que acompanhava o Deus dos Minérios. Quem quer que fosse, parecia feito para ser temido por qualquer homem sensato.

Felizmente, eu não era um homem, e nem sensato.

Nasci e vivi como um deus, e mesmo que tivessem me drenado, não foram capazes de tirar todo o meu poder.

A força que eu tinha, em conjunto com o tempo que o elevador antiquado da prisão levava durante a descida, seria o suficiente para que minha influência divina penetrasse as barreiras mentais de um dos guardas.

— Lel, veja só essa putinha — Ziuceg ainda falava, saboreando as próprias palavras como um cão de rua roendo um osso. — Caladinho de repente. Será que sentiu o seu poder, Semideus da Tortura?

Bom, aquilo explicava alguma coisa.

Semideuses. Quase, mas nunca inteiros.

Eram como deuses pela metade: enquanto todas as divindades possuíam duas aptidões que poderiam ser fortalecidas por meio da adoração de fiéis, os semideuses tinham apenas uma.

Não passavam de aberrações, fabricados por meio de dor e derramamento de sangue. Nem mesmo nasciam com suas habilidades. Muitos deles foram humanos que sacrificaram entes queridos pelo poder.

Nós, da terra do canto, os repudiávamos. Mas eu não podia negar que eles eram um grande problema. Máquinas habilidosas que não tinham nada a perder, pois já sacrificaram tudo.

— Eu não sabia que seria tão bem recebido — comentei. — Suponho que esse seja o cão de guarda da prisão.

Tentei parecer alerta, mas minha atenção se concentrava em outra pessoa: o soldado mais próximo da porta da gaiola em que eu estava contido.

Era fácil saber, através do odor, exatamente onde ele estava. Após tantos dias de viagem, nenhum humano se tornava particularmente cheiroso.

Ninguém era capaz de notar, mas eu estava, há algum tempo, concentrando o máximo de minha atenção naquele homem.

Desde o dia em que me confinaram, não fui capaz de marcar apenas um deles durante o percurso de Fiei até a Prisão do Aquém, pois os soldados estavam cientes do que eu seria capaz de fazer se tivesse tempo suficiente para conquistar a mente de um deles.

Eles só não imaginavam que aquela breve conversa seria tempo o bastante para mim.

O elevador ainda estava imóvel. Havia parado para que o tal semideus entrasse, e ainda não voltara a funcionar. Obviamente, aquilo significava que alguém deveria descer naquele mesmo andar.

Aquele seria Ziuceg, eu suspeitava, já que ele era o único que poderia ir embora antes que eu fosse instalado em uma das celas.

Felizmente, ele estava tão ocupado tripudiando sobre meu sofrimento iminente que se demorou no elevador. Isso me deu o tempo que eu precisava para, finalmente, ser capaz de exercer minha influência.

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