Capítulo 4

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Orm

Meu fardamento antigo era o breu mais mascado que poderia ter, e mesmo a noite não ganhava de nós.

Os bordados dourados e vermelhos em cada camada de minha armadura estavam tudo muito desgastados igual as placas e sua cor tingida de opaco.

Arranhões profundos que por pouco não tocavam minha carne, e furos antigos do ataque de muitas bestas.

Permaneço com ela, pois a última vez que a utilizei, minha antiga espada - também em minhas mãos - degolou minha filha.

Deixo-a pendurada sobre o gabinete para representar meu carrasco, e nunca esquecer de tal coisa.

O novo traje é, em si, o primor da infantaria mortal enegrecida feita por Deus.

Linhas coloridas que mudavam de cor para o verde, o vermelho e amarelo, e tecidos nobres de seda que enlaçavam toda cintura e formavam quase uma bermuda larga e bem moldada de cores discretas sobre o púrpuro mais esbelto que alguém poderia apreciar.

A armadura dos generais, feita à mão por aqueles que criaram a couraça dourada de Deus, jazida sobre minha cama e pedindo-me para ser trajada pela primeira vez.

Cada peça do traje colocado, algo parecia morrer em mim. Mas é inegável que também é o que me dá vida. E me dará poder.

Então, retirei a espada que ceifou tal destino que agora sofro.

Como mais uma má memória, seu sangue ainda deve estar por aí, nessa lâmina vermelha de tanta morte.

Tudo preparado, agora o que me resta é me encontrar com a campanha.

Desci passo por passo o segundo andar ao primeiro. Pesados e com ressentimento bruto. O trancar da porta da frente poderia ser o último.

Ao pé da porta depois de me retirar, um meninote mirrado em tarjas pobres me fitava quase selvagem.

Um canhoteiro. A merda pior que o estrume do fundo de Fiei pode parir. Garotos de guerra. Que sobem as bandeiras e são os primeiros a morrer. E em si, eram quase como ratos na tão linda Fiei.

— O que há, canhoteiro? Não viu as placas desenhadas?! — tive de grunhir, elas não entendem por meio do diálogo comum.

— Nah, xalá. Sou superior, 'tendeu? É, rapa, se liga — me mostrou uma plaqueta esdrúxula e curva, mas que muito bem servia seu propósito — Iae, num vai chupar a chapa, cangão. Um mané chamou você pra acompanhar uma putaria de cavalo, uma viadagem assim, 'tendeu? É! Vambora, porra! Me prometeram um rango maneiro! — falava desta forma como um animal, e caminhava em pernas abertas como se fosse o malandro, manipulador de joias das minas.

A placa era uma classe ilusória que poderia se taxar de superior entre esses ratos sujos.

Era como um mensageiro não oficial dos coronéis e tenentes, que se estreitam pelos segredos das minas, e que chegavam discretamente pelos furos de Fiei.

Mesmo que tenho lá um certo nojo desses bichinhos, utilizei de sua companhia em missões anteriores. São sim úteis, e não é necessário gastar joia pra convencer eles. Carne, apenas, e fará parte do pagamento.

Não mais como um mensageiro secretivo do mandante, guiava-me para uma rota que bem sei, fugia da capital pra ir pela escarpa vizinha.

Laon.

É minúsculo, e praticamente é usado para encontros. Secretos ou não. Porém lá tem vida, e não é bonito.

As pontes terminavam no fim da cratera. E após as pontes, portões se mantinham abertas no azul mais puro de turmalina.

Flower's ShamplooWhere stories live. Discover now