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Alexandre Nero

Minha vida não é digna de ser contada nas histórias, mas por algum motivo, alguém enxergou algo que merece ser narrado.

Fosse a minha dor, a minha luta ou a minha dupla personalidade.

Minha relação com a minha família sempre foi a melhor possível, mesmo que as nossas condições nunca tivessem sido das melhores. O cuidado que temos com o outro sempre valeu muito mais do que qualquer dinheiro no mundo, aliás, nenhum dinheiro no mundo é capaz de comprar o que nós temos.

Tudo desandou um pouco quando meu pai veio a falecer em uma morte acidental, na favela em que moramos. Nossa família acabou por perder a maior fonte de renda e também o que nos mantinha em pé.

E eu perdi a pessoa mais importante da minha vida, o homem que eu sentia o maior orgulho do mundo em dizer que era o meu pai. Quem tinha me ensinado a lutar, quem fazia o impossível para pagar minhas aulas e estava sempre torcendo por mim, na primeira fileira.

No dia da sua morte, eu perdi um pouco de mim. E isso resultou em atitudes não tão corretas que tive que tomar, para garantir a sobrevivência da minha mãe, dos meus irmãos e da minha avó doente.

Comecei pelo que dizem ser o mais fácil, que foi me envolver no tráfico, mas não durei muito por lá. Disseram que eu era frouxo demais pra lidar com situações barra pesada, que mesmo sabendo lutar e podendo derrubar vários de uma vez só, ainda não era suficiente.

Hoje em dia eu agradeço por ter conseguido sair desse meio por vias legais, e não sendo morto por alguma facção.

Aquilo realmente não era pra mim.

Não adianta vir com falso moralismo e dizer que tem emprego de sobra, só basta querer trabalhar. Para nós da Rocinha, nada é tão fácil assim.

Além de ter que se locomover até o outro lado do Rio de Janeiro, gastar mais com passagem do que ganha de salário, ainda somos tratados que nem lixo. E mal sobra grana pra sustentar uma família inteira com a mixaria que nos oferecem.

Minha mãe vende doces na rua, mas é o suficiente apenas para pagarmos as contas básicas e não sermos expulsos da casa alugada que moramos.

Assim sendo, tive que dar os meus pulos pra suprir a falta que meu pai fazia naquela casa. Uma falta que é tanto financeira, quanto afetiva.

Descobri as lutas clandestinas através de um amigo que fiz na minha época de tráfico, um que também não se deu muito bem ali e acabou saindo fora junto comigo.

Rodrigo se tornou meu melhor amigo e uma das únicas pessoas que eu confio nesse lugar, lugar cheio de pessoas não confiáveis e trambiqueiras. Ele me apresentou esse mundo inferior que eu nem sabia que existia em um dia qualquer, depois de descobrir através de um falatório alheio o que acontece nas profundezas da noite carioca.

Nas primeiras vezes fomos só pra assistir, pra observar como as coisas funcionam na ilegalidade. Mas não demorou muito para resolvermos me inscrever, sendo ele o meu treinador oficial dessas lutas.

Quando tudo começou a dar certo e eu vi que conseguiria ajudar minha família com aquele dinheiro, comecei a me esforçar ainda mais pra ser o melhor.

E hoje eu sou, não tem nenhum outro lutador que chegue aos meus pés.

Aliás, aos pés de Eros, o deus dos ringues.

É assim que todo mundo me conhece por lá, já que eu não ousava meter o sobrenome dos meus no meio dessa sujeirada. Prefiro que todos me conheçam por um codinome e nunca saibam quem é Alexandre Nero, é melhor assim.

NocauteWhere stories live. Discover now