LTTY (Capítulo 1, Parte 2): Oceano de Sentimentos

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Corri o mais rápido que pude, mas não havia notado o profundo oceano que separava aqueles dois lugares, e tive que me equilibrar para que não caísse naquele aterrorizante mar de desesperança.
Olhava para baixo, onde só podia ver tons de azul e branco que se misturavam sobre as ondas. Obviamente eu não sabia nadar, já que nunca havia saído de casa, então precisava de outro meio para atravessar aquele gigantesco oceano. Olhei para o lado, tentando encontrar algo que pudesse me ajudar, e isso realmente deu certo. Encontrei uma pequena canoa parada na margem do oceano, bem próximo de onde eu estava. Provavelmente era uma das canoas que minha mãe usava para atravessar.
Entrei na canoa, que agora parecia até menor que antes, como uma casa para anões de pedra. Era feita com um tipo de madeira frágil e leve, mas que aparentava aguentar bastante coisa. Em seu interior havia algumas garrafas e restos de alimentos, dois remos de uma madeira clara — a mesma que havia servido para esculpir a canoa —, mas também havia um pequeno detalhe que eu não havia percebido, um detalhe que poderia custar minha vida.

Peguei os dois remos, os quais aprendi a manusear facilmente, provavelmente pela ajuda de alguns livros de escotismo e sobrevivência que havia lido. Já havia lido vários livros. Em casa esse era um dos únicos passatempos que eu poderia ter, era onde podia me desprender da realidade e onde conseguia aprender muitas coisas novas e interessantes.

Usava meus braços como se quase fosse colocá-los ao avesso, enquanto observava as ondas do mar, que mais pareciam serpentes se rastejando. Via a luz do sol se misturar sobre aquele tom de azul calmo enquanto imaginava que aquilo fosse uma galáxia, cercada de vários planetas e habitantes. Alguns dos livros que mais gostava de ler eram sobre o espaço, onde podia descobrir coisas sobre meteoros distantes e pessoas com pensamentos únicos, como as do "Planeta Água". Elas acreditavam em seres superiores, pais que cuidavam de seus filhos, protegendo-os com muito amor. Deuses, como eles chamavam. Isso poderia ser bobagem, mas… e se fosse real?

Levava meu corpo de um lado a outro, enquanto tentava equilibrar o barco com os remos. Já havia remado a uns 20 minutos, mas mesmo assim o barco ainda parecia estar no mesmo lugar de antes.
Remava com todas as minhas forças. Braços que pareciam ter se desprendido do corpo e criado vida própria, sangue transparente e com um gosto ardente que descia sobre meu rosto pálido, mas um mar gigantesco ainda pela frente.
O céu parecia se entristecer e chorava de forma alta e inquietante. A canoa, junto de mim, balançava de um lado a outro sem parar. Mas não parecia ser de uma forma natural. Foi quando notei, ali entre uma das divisões da canoa, um minúsculo buraco. Um buraco que acabara com o tempo se transformando em um enorme redemoinho que sugava a pequenina barca em direção a um gigantesco buraco negro giratório que se abria sobre aquelas águas impetuosas, levando-me de encontro a um vasto precipício de silêncio e escuridão. Meus braços e pernas tentavam fazer o máximo de esforço que conseguiam. Eu não podia acabar ali, não até encontrar minha mãe novamente. Mas nada adiantava. Era como se houvesse uma âncora agarrada a mim, uma âncora que não queria me largar daquele mar escuro, e a única coisa que eu podia fazer era ouvir o som abafado de raios descendo sobre o céu, destruindo a barca em pedaços.
Batia as pernas sobre as águas, contorcia o meu corpo, mas valeria a pena sair de lá viva? E se talvez depois dali eu descobrisse algo que não queria? Eu não aguentava mais pensar. Fechava os olhos. Sentia-me como um pássaro que voara para tão longe no céu que havia ficado sem oxigênio. Sentia-me como um homem no espaço, flutuando, preso, vagando por aquele universo sem fim. E ouvia. Ouvia os fios das ondas em meus ouvidos, sussurrando palavras tão lindas que me faziam querer passar toda a minha eternidade enterrada sobre as águas.
Eu finalmente me acalmava, sentia-me em paz. Eu pensava na minha mãe, é claro. Mas aquele parecia ser o meu lugar.
E se talvez ela só tivesse fugido de mim? E se ela nem ao menos me amasse de verdade?
Foi quando uma imensa maré se estendeu sobre meu corpo, prendendo-me entre seus laços de água, como um presente para os deuses, levando-me de encontro àquele vasto céu nublado.
Foi quando desmaiei.

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